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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Mega-acelerador LHC começa a operar


Maior máquina do mundo faz com sucesso colisões de prótons em energia sem precedentes, para expandir fronteiras da física

"Obrigado pela paciência", foram as palavras do engenheiro Lyn Evans aos jornalistas quando o acelerador de partículas LHC, o maior experimento da história da física, anunciou ter feito dois prótons colidirem a uma energia de 7 TeV (teraelétron-volts) na terça-feira (30/3).

O choque, o evento mais violento já produzido em laboratório, aniquilou instantaneamente esses dois objetos -núcleos de átomos de hidrogênio- e produziu uma série de outras partículas que foram deixando rastros de suas trajetórias em detectores especiais.

O aparecimento das figuras com linhas tortas nos computadores dos centros de controle do laboratório às 13h06 (8h06 em Brasília) foi seguido de aplausos e gestos eufóricos dos cientistas em comemoração. Evans, que chefiou o projeto durante a maior parte dessas duas décadas no Cern (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), estava visivelmente emocionado. Ele foi um dos cerca de 10 mil cientistas envolvidos na empreitada, que levou 20 anos para começar efetivamente seu programa científico.

Dez anos depois

O LHC (Grande Colisor de Hádrons) fica na fronteira da Suíça com a França, num túnel circular de 27 km de circunferência ao norte de Genebra. Ao ser idealizado, em 1991, tinha sua conclusão prevista para o ano 2000, mas só dez anos depois conseguiu vencer todos os obstáculos técnicos e humanos para ter início. Com o sucesso ontem, superou seu último trauma: um acidente que danificara parte da máquina, fazendo-a parar em 2008.

O incidente, uma sobrecarga de energia, fez o Cern mudar de planos. A estreia de ontem só acelerou os prótons a metade da energia prevista, para evitar que o problema se repetisse.

Até o fim de 2011, o LHC vai operar aquém da capacidade, e só depois disso haverá uma pausa para aprimorar a máquina e prepará-la para colisões com energia máxima, 14 TeV. Nesse estágio, a densidade de energia das colisões será semelhante à que existiu momentos após o Big Bang, a explosão que originou o Universo -daí o acelerador ter sido apelidado "Máquina do Big Bang".

A expectativa de novas descobertas já nesse período, porém, é grande. O LHC já é três vezes e meia mais potente do que o Tevatron, o acelerador americano que, até ontem, era o mais poderoso do mundo.

"Quando as colisões foram registradas, vimos nos gráficos o sinal de que estamos agora em um novo regime de energia na física", afirmou Fabiola Gianotti, italiana que lidera o Atlas, o maior dos quatro detectores de partículas do LHC.

Com uma capacidade sem precedentes de criar partículas elementares a partir da energia das colisões, cientistas esperam poder confirmar previsões teóricas da física e estudar as condições iniciais do Universo.
O bóson de Higgs -entidade hipotética que ganhou o apelido de "partícula de Deus"- talvez seja a peça mais aguardada. Ele seria a partícula que confere massa a todas as outras.

A despeito do sucesso, os cientistas logo alertaram que descobertas como essa ainda podem levar meses.

Mais colisões

"Pode ser que o bóson de Higgs tenha surgido aqui agora, mas os físicos só poderão dizer isso após analisarem os dados acumulados de muitas colisões", explica Denis Damázio, engenheiro brasileiro do Atlas.
Ontem, uma hora depois do primeiro choque, o LHC já havia sido programado para produzir 40 colisões por segundo e continuou aumentando o ritmo. Depois de três horas de operação, encerrou os trabalhos do dia registrando meio milhão de eventos.

Foi só uma amostra daquilo que poderá fazer se chegar à meta de produzir 800 colisões por segundo. Em se tratando de uma máquina da complexidade do LHC, porém, é difícil saber quando será possível atingir isso. Depois do acidente de 2008, cada nova ação ocorre em etapas.

Mesmo mobilizando uma grande estrutura para a imprensa cobrir o evento, o Cern evitou que uma "colisão com hora marcada" apressasse os cientistas. Os físicos trabalharam em seu ritmo, e os jornalistas tiveram de esperar sete horas para registrar o momento das colisões.

Steve Myers, diretor de aceleração do Cern, diz confiar em que um acidente como o de 2008 não se repetirá. "Deixamos o sistema de proteção da maquina tão sensível que ainda agora, quando injetamos o primeiro raio de prótons, o sistema achou que era uma saturação e desligou o raio", contou. Resolvido o problema e feitas as colisões, revelou como ele e seus colegas se sentiam: "Emocionados, entusiasmados, aliviados e muito felizes".
(Rafael Garcia e Luciana Coelho)

Partícula aguardada não será observada instantaneamente

Por mais que capture o imaginário, o LHC não dará aos físicos um momento "eureka!". Isso porque a descoberta do bóson de Higgs não acontecerá de repente, mesmo quando, em um ano e meio, o LHC já tiver dobrado o seu nível de energia.

Primeiro, é necessário um demorado trabalho de coleta, análise e reanálise de dados, envolvendo complexos cálculos em computadores gigantescos para saber se a partícula apareceu mesmo.

Além disso, é necessário, para que a conclusão seja estatisticamente confiável, que muitas colisões sejam feitas. Os físicos precisam de um repertório vasto para poder fazer comparações -fazendo que com que não exista "a" colisão em que o bóson de Higgs apareceu. E, claro, talvez o bóson de Higgs nem sequer exista.

Sem motivos para pânico se for assim, diz Sérgio Novaes, físico da Unesp. "Não se faz ciência só quando tudo dá certo. Há uma ótima palavra em inglês para isso: "serendipity". É quando você procura uma coisa e acaba encontrando outra completamente diferente."

Novaes lidera, no Instituto de Física Teórica da Unesp, em São Paulo, cerca de dez outros físicos na busca pelo bóson de Higgs -ou pela tal outra coisa completamente diferente. Eles acompanham, em tempo real, as colisões do LHC, em uma sala inaugurada na terça-feira e que custou pouco mais de R$ 30 mil.

Além de uma outra na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, existem mais 33 salas assim pelo mundo, recebendo dados para a análise dos pesquisadores. Essa ajuda internacional é necessária em consequência da quantidade imensa de dados gerados pelo LHC: se fossem gravados em CDs, formariam por ano uma pilha de 20 km de altura.
(Ricardo Mioto)
(Folha de SP, 31/3)

Comentário:
Mais uma vez a ciência mostra que não é necessário nenhum "Deus" para se reproduzir os passos do Big Bang. Cada vez mais a hipótese divina vai se tornando desnecessária para compreendermos e explicarmos os mecanismos do nosso universo.
Recomendo o artigo "Como pode ocorrer o Big Bang", postado aqui.

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