Por Gustavo Poli
Estamos em fevereiro. Magrelo como um louva-deus, cabelos longos e escorridos… Washington Sebastián chega à sede da Policia Federal com um funcionário do Botafogo. O uruguaio de 1,93m está ali para tirar o visto de trabalho. Ao se aproximar do posto, é reconhecido pela policial que, botafoguense, comenta:
- Poxa, vê se ajuda a gente. Porque… nos últimos três anos foi só tristeza.
Washington Sebastián rebate:
- El Loco no estaba acá.
A delegada sorri. E Washington Sebastián Abreu arremata:
- Com El Loco acá… és campeón.
Dois meses depois, Washington Sebastián – ou mais popularmente El Loco Abreu – cumpriu a promessa. E cumpriu de forma inesquecível – transformando tensão em leveza. Arrumou um jeito de eternizar um pênalti – de transformar o mais objetivo e seco dos lances numa imagem perene. A sutil parábola que enganou o goleiro Bruno tirou anos de peso das costas alvinegras. E entronizou Abreu instantaneamente no panteão de um clube peculiar.
O Botafogo é um clube de extremos. Pula da tragédia para a glória num estalar de dedos. Não é preto e branco por acaso – até porque o acaso passa longe de General Severiano. O botafoguense é um pessimista que acredita no milagre. E acredita, sobretudo, que toda coincidência é um indício. Pobres de nós, pretensos especialistas, que não fomos capaz de enxergá-los.
Antes do Campeonato, o comentarista esportivo que dissesse que o Botafogo ganharia os dois turnos do Campeonato Carioca… seria internado no pinel e tratado à base de choque elétrico. O time era fraco, não tinha consistência nem elenco – e buscava se reconstruir com uma série de jogadores que não deram certo em outro lugar.
Para o olhar treinado, porém, os indícios do título improvável eram muitos. Fazia 21 anos da épica vitória maurícia em cima do Flamengo – e do fim do jejum de 21 anos sem título (num jogo repleto de referências ao número 21). O campeonato era de 2010 (olha o 21 de novo) – 100 anos depois do primeiro titulo que o clube comemorou, o de 1910, que lhe concedeu o apelido de Glorioso. No início do campeonato, após a goleada por 6 a 0 para o Vasco, um torcedor botou fogo na camisa do clube. Loco Abreu chegou – e trouxe sua superstição: usar a camisa 13. Recebeu a dita cuja das mãos de outro supertiscioso histórico, El Lobo Zagallo. Herrera, o outro atacante, também tem uma camisa off-11 – usa o numero 17. E o clube contratou Joel Santana – conhecido por seu futebol eficiente… e por sua inacreditável estrela.
Ora, direis, ouvir indícios… bom, é claro que há muito de lenda nessa sopa de números. Mas, para o Botafogo, 2010 era um oásis necessário. Nelson Rodrigues dizia que o botafoguense é um calabrês – que precisa da derrota para se realizar. Sim, mas não apenas. O Botafogo precisa do contraste – precisa do fundo do poço para o salto seguinte.
De 2007 a 2009, o Botafogo pagou um mico atrás do outro. Perdeu três decisões para o Flamengo, duas nos pênaltis. Antes da segunda derrota, veio o orangotango do pranto coletivo – que carimbou o time como “chorão”. E ainda teve mais – em 2007, a derrota das calcinhas diante do River Plate e a eliminação na Copa do Brasil – depois de um frangaço; em 2008, o cartão vermelho afanado pelo zagueiro André Luís na Copa Sul-Americana.
Todo esse peso pareceu levitar naquela bola de Abreu. Durante o campeonato, perguntei a um dirigente do clube – que aqui ficará anônimo – se o uruguaio não era limitado demais. A resposta:
- O Abreu é para as finais. Ele não sente.
Bom, bota “não sente” nisso. A marca do pênalti era uma espécie de vulcão islandês do Botafogo. Todo mundo tinha medo de passar por perto. Dois dos três títulos perdidos contra o Flamengo… foram perdidos na marca de cal. E perdidos diante de Bruno, o grande nêmesis alvinegro. O goleiro foi o melhor jogador em campo na final de 2007. E o grande responsável pelo titulo de 2009 (pegou penais durante o jogo e na disputa decisiva) .
E, bom, esse era o cenário aos 27 minutos do segundo tempo de um jogo empatado em 1 a 1. Jogo mascado. Da direita veio uma falta mal cobrada e um penal de rara infelicidade cometido pelo (quase) sempre cerebral Maldonado. Herrera havia cobrado o pênalti do primeiro tempo… logo, era de se esperar nova cobrança argentina. Mas não. Washington Sebastián pediu a bola. A tensão no Maracanã era quase palpável. Menos, ao que parece, para o dono da camisa 13.
Abreu tirou da cartola o pênalti muhamad ali – pairou como borboleta, picou como abelha – e entregou ao torcedor do Botafogo a imagem perene: Bruno, mais que enganado – desenganado – no chão… enquanto a bola de rara picardia flutuava, beijava o travessão e caía nas redes… um momento youtube instantâneo, a redenção pelo tri-vice justamente num penal. E as palavras de Abreu ecoando na mente da policial federal:
- El Loco no estaba acá.
El loco penal deixou o Maracanã direto para a galeria dos grandes gols decisivos do Campeonato Carioca. Nessa videoteca virtual, Loco Abreu pendurou seu quadro – ao lado da barriga de Renato, da cabeçada de Rondinelli, da falta de Pet, do toque de Maurício, do balaço de Cocada… de todos aqueles gols que somos incapazes de esquecer. Lá está: no dia 18 de abril de 2010, El Loco Abreu, camisa 13, bateu um pênalti sorrindo, fez seu décimo-terceiro gol com a camisa do Botafogo e ganhou um campeonato.
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