Lindemberg Alves Fernandes quebrou nesta quarta-feira o silêncio após três anos e falou pela primeira vez sobre as 101 horas de cárcere privado que terminaram com a morte da estudante Eloá Pimentel, em outubro de 2008, em Santo André, no ABC Paulista. À juíza Milena Dias, ele afirmou que não foi ao apartamento com a intenção de matar a adolescente, mas que se surpreendeu ao encontrá-la com colegas no local. Ele disse ainda que andava armado porque sofria ameaças de morte e pediu perdão à família de Eloá.
Lindemberg afirmou que tinha livre acesso à residência, devido à amizade que mantinha com a família da jovem. "Fiquei surpreso com a presença do Iago (de Oliveira), do Victor (de Campos) e da Nayara (Rodrigues) no apartamento. A Eloá ficou assustada ao me ver", disse. A jovem, segundo ele, não conseguiu explicar o que os três estavam fazendo lá, e começou a chorar e a gritar.
"Eu conhecia o Iago e a Nayara, mas não o Victor. Perguntei a ele se tinha 'ficado' com ela e ele confirmou. Depois de um tempo, ela confirmou também". Lindemberg, então, mostrou a arma que carregava e pediu para conversar com a namorada sozinho, mas os três se recusaram a deixar o apartamento.
Lindemberg afirmou também que, durante o período em que ficou com Eloá no apartamento, já tinha se conformado em ser traído. "Ela virou as costas para mim com aquela atitude. A partir dali, não me via mais com ela. Perdi a confiança. Infelizmente, não que eu concorde, hoje é comum a traição", disse.
Visivelmente nervoso, ele foi repreendido algumas vezes pela juíza. Em vários momentos, a magistrada disse que não entendia a versão do réu. No fundo da sala, a família de Eloá - mãe e dois irmãos -, além de duas irmãs do acusado, acompanharam a versão dele sobre os fatos. Em alguns momentos, a mãe de Eloá chorou.
Lindemberg afirmou que os dois namoravam desde 2006 e haviam terminado em setembro, três semanas antes do cárcere. O réu afirmou que tentou voltar com Eloá diversas vezes, mas a adolescente recusava. "Ela me deu uma canseira (nas tentativas de reatar) e eu pensei 'preciso retomar minha vida'." Ele disse, então, que 'ficou' com uma menina, mas que Eloá descobriu, chorou muito e pediu para voltar.
Quando retomaram o relacionamento, o casal fez, segundo Lindemberg, um "pacto" para não contar a ninguém porque a família de Eloá não poderia saber, uma vez que a jovem teria mentido que Lindemberg havia batido nela. "Acho que a Eloá não tinha coragem de expor ao pai que ela tinha mentido sobre a agressão", disse.
Ele afirmou ainda que estava armado porque havia recebido ameaças de morte e, por isso, decidiu comprar um revólver. "Tinha muito medo de morrer", afirmou. O réu disse ter usado a arma nos 20 dias anteriores à morte da ex-namorada. "Eu comprei a arma de um senhor que precisava de dinheiro para voltar pra terra dele."
Trágico desfecho
Segundo Lindemberg, os amigos de Eloá se negaram a deixar o apartamento quando ele exigiu ficar sozinho com a ex-namorada. Por isso, ele considerou que os três não foram mantidos em cárcere privado. Segundo o réu, eles podiam entrar e sair a hora que quisessem, mas ficaram por solidariedade à Eloá.
Lindemberg disse também ter ficado muito nervoso com a chegada da polícia, no primeiro dia de cárcere. "A situação tinha ficado difícil", disse. Segundo ele, Eloá começou a gritar muito e ele mostrou a arma para a namorada, mas a polícia viu. "Agora eu estava em um processo que eu não sabia como contornar a situação, eu estava perdido."
Ele negou ter disparado contra o sargento Atos Valeriano e considerou a acusação de tentativa de homicídio contra o PM uma "ficção". "Eu fiquei sabendo pela minha advogada. Fiz disparos para o chão (da janela), mas para policial nenhum", disse, classificando os tiros como ato de nervosismo.
Durante o tempo que permaneceu no apartamento, Lindemberg disse ter se lembrado do sequestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro, em 2000, que terminou com a morte do sequestrador e da vítima que permaneceu com ele no interior do coletivo. Ela foi atingida com um tiro acidental da polícia e alvejada pelo sequestrador, que acabou morto a caminho da delegacia, por asfixia.
"Eu não deixei o apartamento porque estava com medo da polícia. O clima estava muito tenso. Eu ia em uma janela e via polícia. Ia em outra e era a mesma coisa. Eu não entendia nada de polícia. Para mim era tudo novo."
Ele insistiu na reação da polícia para justificar o tempo no cárcere. "Eu não tinha confiança na polícia. Em certo momento, a polícia abaixou a maçaneta da porta, quando disseram que não se aproximariam. Ali perdi a confiança."
Lindemberg disse ainda que em alguns momentos Eloá teria ficado histérica com a situação. "Quem estava do lado de fora imaginava que eu estava batendo nela", disse.
Ele confirmou que atirou contra Eloá após a polícia explodir a porta. "Quando a polícia invadiu, a Eloá fez menção de levantar e eu, sem pensar, atirei. Foi tudo muito rápido", afirmou. Ele acrescentou que não poderia afirmar que havia atirado contra Nayara porque não se lembrava.
Pedido de perdão a mãe de Eloá
No ínicio do depoimento, ele pediu desculpas. "Eu vim para contar a verdade, porque eu tenho uma dívida muito grande com a família dela. Eu queria pedir perdão em público, porque eu entendo a dor da Dona Tina (em referência a Ana Cristina, mãe de Eloá). Eu queria pedir perdão pra ela por tudo o que aconteceu", disse.
Ele afirmou que o gesto que fez para Ana Cristina na terça-feira, no plenário - considerado pela mãe de Eloá como um sinal de "alivia a minha barra" -, foi na verdade um pedido de perdão.
O mais longo cárcere de SP
A estudante Eloá Pimentel, 15 anos, morreu em 18 de outubro de 2008, um dia após ser baleada na cabeça e na virilha dentro de seu apartamento, em Santo André, na Grande São Paulo. Os tiros foram disparados quando policiais invadiam o imóvel para tentar libertar a jovem, que passou 101 horas refém do ex-namorado Lindemberg Alves Fernandes. Foi o mais longo caso de cárcere privado no Estado de São Paulo.
Armado e inconformado com o fim do relacionamento, Lindemberg invadiu o local no dia 13 de outubro, rendendo Eloá e três colegas - Nayara Rodrigues da Silva, Victor Lopes de Campos e Iago Vieira de Oliveira. Os dois adolescentes logo foram libertados pelo acusado. Nayara, por sua vez, chegou a deixar o cativeiro no dia 14, mas retornou ao imóvel dois dias depois para tentar negociar com Lindemberg. Entretanto, ao se aproximar do ex-namorado de sua amiga, Nayara foi rendida e voltou a ser feita refém.
Mesmo com o aparente cansaço de Lindemberg, indicando uma possível rendição, no final da tarde no dia 17 a polícia invadiu o apartamento, supostamente após ouvir um disparo no interior do imóvel. Antes de ser dominado, segundo a polícia, Lindemberg teve tempo de atirar contra as reféns, matando Eloá e ferindo Nayara no rosto. A Justiça decidiu levá-lo a júri popular.
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