Bruno Huberman
30 de março de 2011 às 16:18h
A CPI das Armas, aberta no início de março na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), pelo deputado Marcelo Freixo (PSol), revisita um tema já investigado pela Câmara dos Deputados, em apuração concluída em 2006. Entre os principais representantes da sociedade civil que auxiliaram os parlamentares estava Antonio Rangel Bandeira, pesquisador do projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio. O sociólogo foi o primeiro a ser ouvido pela CPI fluminense, em sessão na segunda-feira 21. Coube ao acadêmico, autor de uma pesquisa sobre o tráfico de armas no Brasil, situar os deputados sobre os números e principais resoluções obtidas pela pesquisa e a CPI do Congresso.
Bandeira, em entrevista à CartaCapital, detalha os pontos e propostas apresentadas em sua fala na Alerj. Para ele, a Comissão deveria concentrar seus esforços em investigar o tráfico interno de armas, que corresponde a 93% do armamento ilegal do país. Pelo levantamento, 63% destas armas foram vendidas de forma legal antes de entrarem para o mercado negro. “Isso demonstra que não há controle interno. As armas saem dos fabricantes e caem na mão do crime organizado. Quem tem que responder por isso são as autoridades brasileiras de fiscalização. Jogam essa cortina de fumaça para dizer que as armas do narcotráfico vêm de fora.”
Nesta segunda-feira 28, a CPI das Armas ouve ex-delegado Carlos Oliveira, preso pela Operação Guilhotina da Polícia Federal (PF), o relator da CPI na Câmara, o ex-deputado Raul Jungmann (PPS-PE), e o diretor da Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (Dfae).
Leia abaixo a entrevista do sociólogo dividida por pelos principais temas da organização do tráfico de armas, como o transporte e a fiscalização.
A CPI das Armas na Alerj
“Eu sou otimista em relação a CPI das Armas, porque a segurança pública no Rio de Janeiro está desempenhando um bom papel. Eles abriram uma frente de batalha na qual já estou há treze anos. A CPI da Câmara dos Deputados foi a primeira e mais abrangente análise do tráfico de armas no Brasil. Trabalhamos nisso durante um ano e meio. Saíram oitenta recomendações. Apenas 5% das resoluções alcançadas naquela ocasião, sendo otimista, foram efetuadas. O momento é muito bom para essa CPI. Acho que o governo do Estado, pela primeira vez, está cortando realmente na carne. Teve até comandante preso. Os maiores criminosos são os policiais, que é o que as nossas pesquisas sempre apontaram.”
A pesquisa
“A nossa pesquisa abrange todo o território nacional, mas apresentei na CPI algo mais específico sobre o Rio. Nós conseguimos rastrear cerca de 20 mil armas apreendidas na ilegalidade no RJ. Com informações dos fabricantes e com a ajuda da Polícia Federal e do Exército, constatamos que 68% tinham sido vendidas pelos fabricantes, antes de serem desviadas, para oito lojas no Rio. E 18% tinham sido vendidas para o Estado, ou seja, Forças Armadas (28%) e o resto (72%) para a polícia. Desta porcentagem, 59% para a Polícia Militar. A nossa pesquisa mostra que a banda podre da PM aparece disparada como a principal fornecedora de armas e munições para o narcotráfico.”
O problema das armas é interno
“O erro que eu vejo constantemente, inclusive das autoridades, é dizer que o problema da arma no Brasil é externo. Foram 494 armas ‘apreendidas’ no Complexo do Alemão nas operações do final de 2010, porque eles entregaram apenas parte do que encontraram. O resto venderam para a milícia. Destes, 66% eram revólveres brasileiros. Armamento que vem do exterior é de cano longo, calibre pesado, como metralhadora. O narcotráfico compra porque tem dinheiro para comprar e também porque precisa. O tráfico no Rio é dividido e eles estão sempre em guerra, diferente de São Paulo, onde está unificado. Para a polícia do Rio é muito importante a fiscalização deste contrabando internacional, porque esse armamento pesado vai ser usado contra ela. No entanto, nem todo membro do narcotráfico tem fuzil. Apenas aqueles que tem um cargo mais poderoso é que carregam armas de maior calibre. Os soldados do crime utilizam pistola e revólver. Mesmo onde tem a maior concentração de arma estrangeira, como no Alemão que é o QG do narcotráfico, é minoria. Nós apuramos que 95% das armas brasileiras são revólver e pistola. Disparado o 38 milímetros de produção nacional. Isso demonstra que não há controle interno. As armas saem dos fabricantes e caem na mão do crime organizado. Quem tem que responder por isso são as autoridades brasileiras de fiscalização. Jogam essa cortina de fumaça para dizer que vem de fora. A indústria de armas e munição alimenta o tráfico e precisamos fiscalizar isso. Mesmo o armamento estrangeiro utiliza munição brasileira para todo tipo, inclusive os de calibre pesado. Em termos de Brasil, a média de armamento estrangeiro é 7%. O Estado do Rio tem a maior quantidade de armamento estrangeiro, onde chega a 14%. Eu não sou contra uma maior fiscalização das fronteiras obviamente, mas sou cético. Eu morei nos EUA e cruzei a fronteira com o México, que é três vezes menor que a nossa fronteira seca. Os EUA com cerca, polícia especial, não conseguem fiscalizar aquilo direito. São 140 pontos de entrada de arma por essa fronteira, apenas as que a gente constatou. A nossa fronteira vão fiscalizar como? Não entra apenas por rios secundários, mas pela corrupção da polícia na fronteira. É uma fronteira de mais de 15 mil quilômetros com 10 países. É dificílimo. Nós temos que combater o nosso problema interno primeiro.“
Hipóteses para o tráfico interno de armas
“Primeira hipótese: o próprio lojista vende direto para o narcotráfico. A CPI do Congresso estourou uma loja enorme em Pernambuco chamada O Rei das Armas e comprovou que ela abastecia todo o crime organizado do Nordeste. Segunda hipótese: dos 68% das armas que entraram na ilegalidade por meio de venda em lojas, 25% a loja diz que vendeu para a segurança privada, que tampouco é fiscalizada. Responsabilidade da PF. Terceira hipótese: repasse por pessoa física. A loja pode vender para várias diferentes pessoas, mas pode vender uma grande quantidade para uma única pessoa. Essa pessoa é o que chamamos de corretor. É o cara que intermedeia. Ele compra legalmente e revende para as organizações criminosas. Todas essas hipóteses teriam que ter sido testadas pela polícia e se chegaria aos culpados por esse sistema.“
Fiscalização do comércio legal de armas
“São 3 mil lojas de armas no Brasil. Imagine a festa. A quem cabe controlar o comércio? O Exército, pelo Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC). Herança da ditadura. Tentamos mudar isso no Estatuto do Desarmamento, mas os militares não deixaram e os políticos abriram as pernas. Por que o exército tem interesse em continuar fiscalizando o comércio de armas? É muita grana. Cabe ao Exército fiscalizar a loja e à Polícia Federal fiscalizar se vendeu para alguém que não devia. No entanto, uma instituição não fala com a outra.”
Transporte do tráfico de armas
“O Exército também é o responsável por fiscalizar o transporte de todas as armas que vão das fábricas para as lojas. Um general me falou: ‘É claro que controlamos. A própria Taurus (fábrica de armas) dá a maior importância ao transporte das suas armas. Eles têm um controle absoluto do transporte. ’ Eu o questionei: ‘A Taurus controla a Taurus? ’ Por lei, todo o transporte de arma, seja por terra, mar ou ar, tem que ter controle militar. Outro militar me disse: ‘transporte de armas é que nem de tomate, no caminho você perde alguns. ’ É a taxa do contrabando. A Baía de Guanabara, à noite, é uma loucura. Isso ficou claro no depoimento de narcotraficantes na CPI das Armas. A Baía está cheia de falso pescador. Eles passam o dia dormindo, à noite eles vão aos navios atracados dentro e fora da Baía, contrabandeiam tudo que possa imaginar e vão direto para as favelas. Em princípio, quem controla seria a PF, que tem umas duas lanchinas que às 18 horas se recolhem porque acabou o expediente. O que faz a Marinha para ajudar nessa fiscalização? Nada. Por norma eles não podem fiscalizar carga, mesmo se a carga for fuzil de guerra, ficam apenas vigiando iate clube. Na CPI na Câmara, ficou muito claro que em todos os portos, em Santos, em Paranaguá, entram todo o tipo de contrabando com a complacência da Polícia Federal, que leva em cima na alfândega. É outro buracão do enorme queijo suíço que é o comércio e o tráfico de armas no Brasil.”
Banco de dados das armas
Todas as polícias do Brasil devem informar ao Sistema Nacional de Armas (Sinarm) sobre todas as armas apreendidas. Esse seria um grande banco de dados para a PF poder cumprir seu papel de investigar o tráfico de armas. Só que as Forças Armadas têm outro banco, que se chama Sigma. Neste banco não estão só o registro sigiloso das armas das Forças Armadas, como o também está o registro do CAC (Colecionadores, Atiradores Esportivos e Caçadores). Tem muito traficante que se inscreve em clube de tiro para poder importar e comprar armas que um cidadão comum não pode fazer. Vários colecionadores foram presos transportando armas do Paraguai para cá, ou seja, bandido com carteirinha de colecionador. Isso tudo foi descoberto pela Operação Planeta, do próprio Exército, liderada pelo coronel Diógenes Dantas, que descobriu que colecionadores e atiradores são um grande biombo para o tráfico de armas. A CPI descobriu que tinha um clube de tiro em São Paulo que abastecia o PCC. A PF não tem acesso ao registro destas armas. O Estatuto do Desarmamento determinou que o Sigma se conectasse ao Sinarm para a PF poder fazer o rastreamento de armas completo. Passados oito anos do Estatuto, até hoje as Forças Armadas não cumpriram a lei federal ao não integrarem o Sigma.
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