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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Vai um bifinho de baleia aí?


Num país que tem 80% de seu território permanentemente coberto por gelo e cujos 20% restantes ficam debaixo de neve vários meses ao ano, o simples ato de comer se transforma em uma saga. Apesar de as terras agricultáveis estarem em franca expansão no sul da Groenlândia (se devido ao aquecimento global ou a melhorias tecnológicas não se sabe; eu apostaria numa combinação de ambos), a comida é quase toda importada da Dinamarca. Os groenlandeses complementam suas proteínas hoje da mesma maneira que seus ancestrais esquimós faziam: no mar, na ponta do arpão.

Carne de foca e baleia são parte integrante e obrigatória da dieta inuíte, que tem muito espaço para gorduras e pouco para sentimentalismos. Outro quitute local é o boi-almiscarado, um bicho esquisito endêmico do Ártico que nunca foi domesticado e que pode ser apreciado de várias maneiras – desde hambúrgueres até bistecas e, em Kangerlussuaq, em versão “fusion” num surreal restaurante tailandês (mais sobre ele num outro post). O pobre ungulado, porém, tem uma distribuição restrita e fica difícil de capturar no inverno, ao contrário de mamíferos marinhos, o mais próximo que os habitantes do Ártico podem chegar de um produto que “dá o ano inteiro”.

A caça a esses animais, por menos que o Greenpeace goste da ideia, é uma tradição cultural profundamente enraizada e uma questão de sobrevivência. O gosto por foca e baleia e o desenvolvimento, pelos esquimós, de tecnologias específicas para caçá-los (entre elas o lançador de arpão e o caiaque), permitiu aos inuítes prosperarem no Ártico após o chamado Período Quente Medieval (do ano 1000 a 1400 mais ou menos), época em que os nórdicos ocuparam a Groenlândia. Se formos acreditar no que diz Jared Diamond em seu livro “Colapso”, os vikings perderam a parada para os inuítes porque insistiam em criar vacas e porcos na ilha (num clima cada vez menos favorável) em vez de buscarem proteínas no mar.

A Comissão Internacional da Baleia reconhece isso e dá uma cota anual de abate de grandes cetáceos aos groenlandeses, sob o selo de “caça aborígene”. Portanto, diferentemente da baleia que se come no Japão, a da Groenlândia é, por assim dizer, legalizada.

É de se questionar, porém, o quão “aborígene” realmente é a caça por aqui, já que em vez de caiaques e arpões de osso (que pelo menos davam à baleia uma chance de, digamos, 50%), os groenlandeses caçam com barcos a motor e arpões de ponta explosiva, tecnologia que pouco difere da usada pela vizinha Islândia. E há muito os ilhéus não vivem em iglus, e sim em cidades modernas (em Nuuk, a capital, tem até fábrica da Coca-Cola).

Dificilmente será este o país que vai acabar sozinho com as baleias do Ártico. O problema é que, com a tecnologia, a fronteira entre caça aborígene e comercial vai ficando cada vez mais borrada, e a pressão de nações do Ártico, da Noruega à Islândia, pela reabertura do abate comercial (suspenso desde 1986) cresce ano após ano.

No front foqueiro, a situação é inversa: pressões internacionais contra o cruel assassinato a porretadas das foquinhas fofinhas estão deixando os inuítes do Canadá, separados da Groenlândia por poucas centenas de quilômetros de mar, na maior pindaíba, segundo me contou um cientista americano que viaja para a região há quase 20 anos.

Seja como for, fora da Escandinávia muito cabra deve olhar torto para os cardápios daqui que anunciam, como este da foto, um bifão de baleia com cebola refogada.


Fonte

Minha avó contava que nas feiras livres do Rio, na década de 60, era fácil encontrar carne de baleia, que também era bem barata. Tempos que não voltam mais, aqui no Brasil.

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