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segunda-feira, 7 de março de 2011

Escola laica, liberdade e igualdade



Típico ato proporcionado pela religião: terrorismo maometano


ROSELI FISCHMANN

O lugar do ensino religioso não é na escola pública, mas na família e nas comunidades religiosas, para quem assim o quiser.
Por ser ligado ao direito à liberdade de consciência, de crença e de culto, o ensino religioso depende de ser buscado, não de ser oferecido sob a égide do Estado, por ser matéria íntima, de escolha, segundo a consciência de cada pessoa.
Daí o caráter facultativo para o aluno que a Constituição estabelece para o ensino religioso nas escolas públicas, buscando preservar tanto o direito à liberdade de crença quanto a laicidade inerente à escola pública. Razões de ordem ética, jurídica, histórica e pedagógica amparam essa posição.
Crianças pequenas, de seis anos, iniciando o ensino fundamental, têm suas consciências tenras plasmadas pela escola. Quais as repercussões de conteúdos religiosos conflitantes ao que recebe no lar, em sua compreensão do mundo?
Aprender a não fazer ao outro o que não quer que lhe façam indica formação para autonomia, valorizando a alteridade -cerne da educação. Na escola, o respeito aos outros não pode ser amparado em divindade, mesmo para quem creia.
Porque amparar-se no inefável para garantir a não violência é menosprezar a capacidade humana de respeito mútuo e a própria fé, que não depende de constrangimento e submissão. A escola pública deve explicitar o que é humano (como a ciência) como mutável, porque falível e passível de debate e discussão, sempre sujeito a aperfeiçoamento. Como a Constituição.
A possibilidade de uma PEC que retire o parágrafo primeiro do artigo 210 da Constituição é uma urgência histórica, em prol das próprias religiões. Porque, ao tentar regulamentar o não regulamentável, qual seja, o acordo entre religiões sobre o que ensinar, como conteúdo único, a Lei de Diretrizes e Bases da educação criou mais dificuldades que soluções para o que já era problemático na Constituição.
Mesmo internamente a Constituição parece inconsistente, já que o seu artigo 19 estabelece que é vedado ao Estado "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança" e "criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si".
Promover um ensino religioso que seja ligado a denominação religiosa específica no âmbito da escola pública (como propôs o acordo da Santa Sé com o Brasil) é promover distinção entre brasileiros.
Mesmo que fosse possível cumprir a promessa de que "todas as religiões serão oferecidas", seriam desrespeitados em seus direitos os agnósticos e ateus.
Supor que seja possível tratar as religiões de forma "neutra", na escola pública, é menosprezar consequências de perseguições e raízes de guerras religiosas que a humanidade travou. Propor ensino religioso como história das religiões pode ser adequado só para jovens e não crianças, e não terá sentido se o professor conduzir o ensino privilegiando sua crença ou descrença.
A escola pública precisa ser entendida como lugar de desconstrução das discriminações que perpassam nossa cultura, de forma silenciosa ou denegada, que desrespeitam religiões e, sobretudo, seus adeptos, todos igualmente brasileiros e brasileiras.
Argumentar que a maioria "democraticamente" tem o direito de impor no espaço público sua crença e que na escola "só fará bem ter (uma certa) religião" reduz a democracia à tirania, pois nega o direito de as minorias serem integralmente respeitadas, a ponto de (como ensina Bobbio e dita a regra do jogo democrático) um dia se tornarem maioria.


ROSELI FISCHMANN é coordenadora do programa de pós-graduação em educação da Universidade Metodista de São Paulo e pesquisadora do CNPq para o tema do ensino religioso. Foi membro da Comissão Especial de Ensino Religioso do Governo do Estado de São Paulo (1995-1996).


Folha de SP-6 de Março de 2010

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