João Montanaro, 14, já tinha decidido qual seria o tema da charge de sábado quando acordou na sexta-feira. Então, viu na televisão imagens de prédios se desfazendo em meio ao mar que avançava.
"Não dava para fazer um desenho sobre política!", diz.
Ao decidir retratar o tsunami, Montanaro lembrou-se da xilogravura de Katsushika Hokusai. Foi uma das opções que ele enviou à Folha para aprovação e publicação.
"Fiquei surpreso com as críticas", diz. "Acho que não entenderam a charge."
Apesar da má recepção, inclusive na escola, o garoto diz estar seguro da escolha. "Fiz o certo, minha intenção não era fazer uma piada."
O ilustrador Adão Iturrusgarai, que publica na Ilustrada, defende Montanaro.
"É um desenho superimparcial. É inocente como o ilustrador, que é um jovenzinho", diz. "De mau gosto foi a tragédia em si." E completa: "O humor funciona por conta dessa contraonda, desse mau humor e da burrice dos críticos".
Para o artista Allan Sieber, que também publica na Ilustrada, Montanaro "fez o trabalho dele e a escolha da ilustração valeu a pena".
O pesquisador Gonçalo Junior, autor do livro "A Guerra dos Gibis" (Companhia das Letras), afirma que quem perdeu o bom senso, no caso da charge, foram os leitores que se manifestaram contra.
"Vivemos na era da chatice e do politicamente correto. É uma reação paranoica, o desenho retrata as mesmas coisas que todos esses vídeos que estão no YouTube."
Exagerada ou não, a recepção da charge de Montanaro foi semelhante à vista na Malásia nesta semana.
O desenho de Mohamad Zohri Sukimi, publicado no jornal "Berita Harian", mostrava o herói japonês Ultraman fugindo de uma onda. Uma petição on-line rodou o mundo. O jornal se retratou.
"Apesar de o desenho de Montanaro não ter me incomodado, consigo entender por que alguns leitores se sentiram desconfortáveis", diz Sidney Gusman, editor-chefe do site Universo HQ.
"Fico imaginando como eu reagiria se tivesse perdido alguém nesse desastre."
Outra razão apontada para a má recepção é o desconhecimento do desenho original.
"Quando vi o rascunho, perguntei a ele se as pessoas não iriam se chocar", diz Mario Sergio Barbosa, pai de Montanaro. "Mas eu não conhecia a referência dele."
Há também a possibilidade de o leitor não estar acostumado ao gênero da charge.
"As pessoas ligam a palavra 'charge' a coisas alegres, mas a ideia é ser um convite ao pensamento", diz o quadrinista Mauricio de Sousa.
O jornalista e professor de letras da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Paulo Ramos concorda.
"Quem está acostumado entende melhor desenhos como o de Montanaro. Outros veem as charges como necessariamente uma piada e, por isso, se incomodam."
Para Jal, presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil, "é nesses momentos de tragédia que temos de
fazer críticas".
Tudo é pecado e proibido, para os idiotas do "politicamente correto". Querem viver em um mundo sem humor, sem críticas e sem ironia.
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