Autor(es): VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de S. Paulo - 23/03/2010
Dados de ontem mostram o deficit externo crescendo rápido; rápido demais, dizem tucanos. Qual seria a solução?
OS TUCANOS dizem que uma "herança maldita" do governo Lula será o deficit em transações correntes. Pelo nome da coisa, nota-se que não será um tema muito popular na campanha eleitoral. Do que se trata?
Também conhecido como "deficit externo", trata-se apenas da diferença do valor das exportações e importações de produtos e serviços. Inclui a conta do comércio com o exterior, dos gastos dos cidadãos com viagens e cartão de crédito internacional, fretes, aluguel de equipamentos, lucros e dividendos remetidos e recebidos por empresas etc.
E daí? Ter um deficit em transações correntes significa que entram menos dólares do que saem, considerada apenas essa parte das contas externas de um país. A fim de compensar a diferença, é preciso que entre moeda forte por outro canal contábil (chamado "conta de capitais", de investimentos estrangeiros em empresas e títulos brasileiros).
Ao menos segundo a experiência histórica, o deficit externo costuma ser coberto por investimentos até certo tamanho. Quando o deficit se torna grande demais, o investidor estrangeiro desconfia. Um país com grandes deficit está consumindo e/ ou investindo acima de seus meios. A partir de certo ponto, pode-se tornar incapaz de honrar seus compromissos externos (dívida externa, remessa de lucros etc.).
Quando tal desconfiança começa a se tornar crítica, pode ocorrer a redução de novos investimentos e/ou a fuga de capitais. Tal crise redunda numa grande desvalorização da moeda, alguma inflação e/ou grande arrocho do consumo (via alta de juros e/ou corte de gastos públicos).
Esse tipo de rolo é um clássico da história econômica do Brasil. O episódio mais recente desse tipo de crise ocorreu na transição de FHC 1 para FHC 2, em 1998-99. O problema se arrastou por todo FHC 2. Foi remediado com a quase recessão de 2002-03 e pelo superaquecimento da economia mundial, que engordou as exportações brasileiras. Na reeleição de FHC, o deficit externo estava em torno de 4% do PIB.
Segundo dados divulgados ontem, tal deficit foi a 1,66% do PIB. Na comparação, parece pouco. Mas tucanos dizem que o governo Lula tornou a economia brasileira um cabra marcado para ter deficit, o que é difícil de avaliar. Assim como é difícil saber qual o tamanho do deficit externo financiável. De resto, a resposta depende de como a China vai crescer, do que vai ser das economias ricas do Ocidente e de escolhas incertas dos donos do capital.
Deficit externos resultam de consumo excessivo: de salários relativamente altos, dada a produtividade da economia, e de gastos excessivos do governo. E também de moeda forte demais. A crítica tucana se concentra nos gastos públicos, de fato demasiados, e no câmbio (no real forte). Atribuem parte da valorização do real a taxas de juros altas demais. Note-se que esses fatores do deficit externo estão relacionados uns aos outros -dizer qual deles é o determinante depende do gosto teórico ou político do freguês.
Aumentar a produtividade da economia é uma solução de longo prazo para o deficit. No curto prazo, sobra a redução do consumo do governo e algum arrocho do valor real dos salários. Qual vai ser a proposta tucana?
Fonte
Nenhum comentário:
Postar um comentário