Por fim os deuses se tornaram humanos – ou, antes os homens se tornaram deuses. Como as deidades da Grécia, os deuses humanos do Egito eram superiores aos homens e às mulheres, concebidos em moldes heróicos, mas sempre de carne e osso; tinham fome e comiam, tinham sede e bebiam, amavam e se acasalavam, odiavam e matavam, envelheciam e morriam. (G. Maspero, Dawn of Civiization, 101-1). Temos, por exemplo, Osíris, cuja morte e ressurreição eram celebradas todos os anos como símbolos da enchente e da vazante do Nilo. Cada egípcios das últimas dinastias cantava a história de como Set, o perverso deus da seca, encolerizou-se com Osíris por derramar com a enchente a fertilidade sobre a terra, e matou-o, e reinou sobre o dessecado reino de Osíris (isto é, sobre a terra privada duma enchente que não veio) até que Hórus, valente filho de Ísis, o derrubasse e banisse; e então Osíris ressuscitou ao calor do amor de Ísis e governou benevolentemente o Egito, suprimiu o canibalismo, estabeleceu a civilização e subiu ao céu para reinar eternamente como deus. (J. H. Breasted, Development of Religion and Thought in Ancient Egypt, 24,33; J. G. Frazer, Adonis Attis Osiris, 269-75; 383.) Equivale a um mito profundo; porque a história, assim como a religião oriental, é dualística – um relato de lutas entre a criação e a destruição, entre a fertilidade e a seca, entre a mocidade e a velhice, entre o bem e o mal, entre a vida e a morte.
Profundidade também vemos no mito de Ísis, a Grande Mãe. Não significava apenas a leal irmã e esposa do Osíris; em certo sentido o superava em grandeza, porque – como as mulheres em geral – havia vencido a morte por meio do amor. Nem era apenas o solo negro do Delta, fertilizado pelo toque de Osíris; era acima de tudo símbolo da misteriosa força criadora de todos os seres vivos e maternal ternura que amamenta as vidas novas. Ísis representava no Egito – como Cali, Ishtar e Cibele na Ásia, Deméter na Grécia e Ceres em Roma – a prioridade e a independência do princípio feminino em criação e transmissão hereditária, e a original função inicial da mulher na agricultura; foi Ísis (diz o mito) quem revelou a Osíris (o homem) o trigo e a cevada nativos no Egito. (Deodoro Sículo, I, XVI, 1.) O povo adorava-a com especial ternura e erguia-lhe imagens, considerava-a a Mãe de Deus; seus tonsurados sacerdotes exaltavam-na em sonoras matinas e vésperas; e no meio do inverso, coincidente com a anual ressurreição do sol, os tempos de Hórus, seu divino filho e deis do sol, mostravam-na num estábulo, amamentando um bebê miraculosamente concebido. Essas lendas poético-filosóficas afetaram profundamente o cristianismo. Os primitivos cristãos muitas vezes se curvaram diante das estátuas de Ísis com o infante ao seio, vendo nelas outra forma do velho e nobre mito pelo qual a mulher (isto é, o princípio feminino), criando todas as coisas, se tornou por mim a Mãe de Deus. (Frazer, Adonis, 346-50; G. Maspero, Dawn of Civiization, 131-2; Macrobius, Saturnalia, I, 18, in McCabe, Jos., Story of Religious Controversy, 169). (p.210-211).
Trechos do livro "História da Civilização", de Will Durant.
Trechos do livro "História da Civilização", de Will Durant.
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