Brindo hoje os leitores deste blog com alguns trechos de um dos meus livros favoritos de Bertrand Russell.
Filósofo e ganhador do prêmio nobel, ele coloca no chinelo muitos ditos "escritores" que vemos por aí.
Vamos aos trechos:
Edição Prêmios Nobel de Literatura. Editora Opera Mundi, 1970.
II - Sonhos e fatos.
II -
[...] Há duas maneiras de corrigir nossas crenças naturais: o contato com o fato, como quando confundimos fungo venenoso e um cogumelo e sofremos as conseqüências; e quando nossas crenças colidem, não diretamente com o fato objetivo, mas com as crenças contrárias de outros homens. [...]
(pág. 71).
Muitos podem afirmar que, mesmo que os sistemas inventados pelos homens sejam falsos, são inofensivos e consoladores, e não deveriam ser perturbados. O caso é que não são inofensivos, e que o consolo que propiciam é pago bem caro pelo sofrimento inevitável que levam os homens a tolerar. [...]
(pág. 75).
À parte todos os argumentos utilitários, a busca da felicidade que se baseia em crenças falsas não é nem muito nobre nem muito gloriosa. Há uma crua alegria na percepção destemida de nosso verdadeiro lugar no mundo e um drama mais vívido do que é possível aos que se ocultam atrás das mulharas do mito. Há "mares procelosos" no mundo do pensamento que só podem ser singrados por quem esteja disposto a enfrentar sua incapacidade física. Acima de tudo, a liberdade da tirania do Medo, que obumbra a luz do dia e mantém os homens rastejantes e cruéis. Não se liberta do medo o homem que não ousa enxergar o seu verdadeiro lugar no mundo; nenhum homem pode alcançar a grandeza de que é capaz antes de se permitir ver a própria pequenez.
(pág. 75-76).
XII - O pensamento livre e a propaganda oficial
[...]
William James costumava pregar o "desejo de crer". De minha parte, desejaria pregar o "desejo de duvidar". Nenhuma de nossas crenças é completamente verdadeira; todas têm pelo menos um vestígio de erro e imprecisão. São bem conhecidos os métodos de aumentar a dose de verdade de nossas crenças; consistem em ouvir todos os lados, procurar verificar todos os fatos relevantes, controlar nossa própria inclinação por meio da discussão com pessoas que têm tendência oposta e cultivar a disposição de abandonar qualquer hipótese que se demonstre inadequada. Estes são os métodos praticados pela ciência e que criaram os cabedais do conhecimento científico. Todo homem de ciência, que tenha atitude verdadeiramente científica, está disposto a admitir que o que passa por conhecimento científico num momento com certeza exige correção, à medida que progridem os descobrimentos; não obstante, é suficientemente próximo da verdade para servir a fins práticos. Na ciência, único campo em que se encontra algo parecido com o conhecimento genuíno, a atitude do homem é tentativa e cheia de dúvida.
(pág. 182).
Tivemos em anos recentes o bilhante exemplo da têmpera de um espírito científico na teoria da relatividade e sua recepção pelo mundo. Einstein, um pacifista judeu-suíço-alemão, foi nomeado para uma cadeira de pesquisas pelo governo alemão, no princípio da guerra; suas predições foram verificadas por uma expedição inglesa que observou o eclipse de 1919, logo depois do Armistício. Sua teoria sacode todo o arcabouço da física teórica tradicional; faz quase tanto dano à dinâmica ortodoxa quando Darwin à Gênese. No entanto, em toda parte dos físicos demonstraram completa disposição de aceitar sua teoria assim que as provas pareceram favoráveis. Mas nenhum deles, e muito menos Einstein, proclamaria ter dito a última palavra. Ele não construiu um monumento de dogma infalível a desafiar os séculos. Há dificuldades que ele não sabe resolver; suas doutrinas terão de ser modificadas por sua vez, como alteraram as Newton. Esta receptividade crítica adogmática é a verdadeira atitude da ciência.
(pág. 183).
[...] Por fim, a verdade ou a falsidade da doutrina seria decidida no campo de batalha, sem se coligir quaisquer provas contra ou a favor. Este método é a conseqüência lógica do desejo de acreditar, de William James.
O de que precisamos não é do desejo de acreditar, mas a vontade de descobrir, que é exatamente o contrário.
Se se admite a desejabilidade da dúvida racional, torna-se importante indagar como veio a disseminar-se no mundo tanta certeza irracional. Grande parte dela é devida à irracionalidade inerente e à credulidade da natureza humana comum. Mas esta semente do pecado original intelectual é nutrida e tutelada por outros agentes, entre os quais três se destacam, a saber, ensino, propaganda e pressão econômica. [...]
(pág. 183-184).
XIV - A liberdade em face da autoridade no ensino
[...] A verdade cabe aos deuses; do nosso ponto de vista humano, é um ideal, do qual nos podemos aproximar, mas que não podemos esperar atingir. A educação deve preparar-nos para a maior aproximação possível da verdade, e para isto precisamos ensinar a lealdade. No meu entender, lealdade é o hábito de formar nossas opiniões pelas provas e mantê-las com o grau de convicção que a prova permite. Este grau jamais atingirá a certeza completa, e devemos portanto estar sempre sempre dispostos a admitir novas provas contra crenças anteriores. Além disso, quando agimos sob impulso de uma crença, devemos, se possível, fazer o que for útil, mesmo que a nossa crença seja mais ou menos inexata; devemos evitar atos que seriam desastrosos, não sendo a nossa crença absolutamente verdadeira. Em ciência, o observador anuncia os seus resultados juntamente com o "erro provável"; mas quem já ouviu falar de um teólogo ou político mencionar o erro provável dos seus dogmas, ou mesmo admitir que o seu erro seja concebível? Isto porque em ciência onde mais nos aproximamos do conhecimento real, o homem pode confiar tranqüilamente na fortaleza do seu caso, enquanto que, onde nada se sabe, a asserção tonitruante e o hipnotismo são os meios costumeiros de levar os outros a partilhar de nossa crença. Se os fundamentalistas achassem que tinham bons argumentos contra a evolução, eles não tornariam ilegal o seu ensino.
(pág. 220-221).
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