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domingo, 24 de janeiro de 2010

Mark Twain e George Washington






Trago a este blog um conto de um autor que admiro muito: Mark Twain. Aqui no Brasil é pouco conhecido, embora seja autor de clássicos da literatura norte-americana como “As Aventuras de Tom Sawyer” e de contos consagrados como “O Roubo do Elefante Branco”, entre outros. É um conto pequenino, muito engraçado e sempre cheio da ironia sagaz de Twain. Apresento-o porque, ao relê-lo, me espanta que a prodigiosa inteligência do personagem de Twain que seja tão semelhante ou ainda superior a de alguns seres com quem tenho tido contato através da rede. Qualquer semelhança não é pura coincidência:




HISTÓRIA MUITO SIMPLES DE GEORGE WASHINGTON
Autor: Mark Twain.
                A VERDADE. Não posso deixar de me furtar à tentação de lhes contar que, ontem, uma dama amiga, em excursão pelas lojas, deixou seu meigo filhinho, de cinco radiantes primaveras, sob a nossa experimentada vigilância, enquanto ela prosseguia nas ocupações que a trouxeram à cidade. Um pequeno tão arguto! Era tão agradável falar-lhe! Nunca poderemos esquecer a ditosa meia hora gasta com este prodígio.
– Ora, ouça Carlos – dissemos – e aprenda a respeito de George Washington.
– Quem é ele? – inquiriu Carlos.
– Ouça – dissemos – ele foi o pai deste país.
– Que país?
– O nosso; o seu, o meu – a união confederada do povo americano, cimentada com o sangue dos homens de 1776, derramado sobre os altares de nosso país, com a libação mais grata à liberdade que seus sequazes podem oferecer!
– Quem fez? – Perguntou Carlos.
                Há um tato peculiar no falar às crianças, que muito poucas pessoas possuem. Ora, muitas pessoas ter-se-iam impacientado e irritado quando o pequeno Carlos fez tantas perguntas desconexas; nós, porém, não. Sabíamos que, por mais irrefletido que ele parecesse a princípio, conseguiríamos interessá-lo na história e seria todo olhos e ouvidos. Assim, sorrimos amavelmente – esse mesmo sorriso que tendes visto em nossas fotografias, justamente a mais fresca ondulação de um sorriso abrindo-se através da fase como um raio de Sol, e suavizado por linhas de terna tristeza, precisamente antes que as duas extremidades dele cheguem até as orelhas.
                E assim, sorrindo, continuamos:
– Ora, bem, um dia o pai de George...
– George como? – perguntou Carlos.
– George Washington. Ele era tão rapazinho justamente como você. Um dia seu pai...
– Que pai? – inquiriu Carlos, com uma encorajadora expressão de interesse.
– O de George Washington; este grande homem de quem lhe estava falando. Um dia, o pai de George Washington deu-lhe uma machadinha para...
– Quem lhe deu a machadinha?
– Seu pai. E seu pai...
– Que pai?
– O de George Washington.
– Oh!
– Sim, George Washington. E seu pai disse-lhe...
– Disse a quem?
– A George.
– Oh, sim, George.
                E continuamos com uma paciência e bom humor como é fácil de imaginar. Retomamos a história precisamente onde o menino a interrompeu, porque pudemos notar que era bastante fraco para ouvir-lhe o fim. Dissemos:
– E ele lhe disse que...
– George lhe disse? – interrompeu Carlos.
– Não, seu pai disse a George...
– Oh!
– Sim, disse-lhe que devia ter cuidado com a machadinha.
– Que machadinha?
– Ora, a de George.
– Oh!
– Sim; com a machadinha, que não cortasse com ela, ou a deixasse cair na cisterna, ou fora, na grama, durante a noite. Desse modo, George foi cortando tudo que pudesse alcançar com a machadinha. E por fim chegou a uma esplêndida macieira, a favorita de seu pai, e cortou-a, e...
– Quem a cortou?
– George.
– Oh!
– Mas seu pai chegou em casa e foi a primeira coisa que viu, e ...
– Viu a machadinha?
– Não, viu a macieira. E disse: “Quem cortou minha macieira favorita?”
– Que macieira?
– A do pai de George. E todos disseram que nada sabiam a respeito, e...
– A que respeito?
– Da macieira.
– Oh!
– E George chegou e ouviu-os falando sobre isso...
– Ouviu quem alando sobre isso?
– Ouviu seu pai e os homens.
– A respeito de que estavam falando?
– A respeito da macieira.
– Que macieira?
– A macieira favorita que George cortou.
– George o quê?
– George Washington.
– Oh!
– George chegou e disse: “Pai, eu não posso mentir. Fui...”
– Seu pai não podia?
– Ora, não, George não podia.
– Oh! George! Oh! Sim!
– Fui eu que cortei sua macieira; cortei-a...
– Seu pai cortou?
– Não, não, não; disse que cortou sua macieira.
– A macieira de George?
– Não, não, a de seu pai.
– Oh!
– Ele disse...
– Seu pai disse?
– Não, não, não, George disse: “Pai, eu não posso dizer uma mentira. Cortei-a com a minha machadinha.” E seu pai disse: “Nobre rapaz, eu preferiria perder mil árvores do que saber que disseste uma mentira.”
– George disse?
– Não, seu pai disse isso.
– Disse que preferia ter mil árvores?
– Não, não, não; disse que preferia perder mil macieiras do que...
– Ele disse que George preferia?
– Não, ele disse que preferiria do que saber que ele...
– Oh! George preferia que seu pai mentisse?
                Nós somos pacientes e nós gostamos de crianças, mas se a senhora Fitzherbert não tivesse chegado e levado o seu prodígio neste momento crítico, acreditamos que Burlington em peso nos teria tirado da embrulhada. E enquanto Carlos descia as escadas, ouvimo-lo contar a mamãe a respeito de um rapaz que tinha um pai chamado George, e ele lhe disse que cortasse uma macieira, e ele preferia dizer mil mentiras do que cortar uma macieira. Nós gostamos de crianças, mas não cremos que a natureza ou a educação nos tenha tornado aptos a ser govarnantes.
Mark Twain.

Comento:
Embora Carlos seja um garotinho, protegido pela sua candura da infância, quantos Carlos conhecemos já bem grandinhos? Alguns dos que conheço já transcenderam a mera fase de retardamento mental e infância duradoura e já beiram algo à lá “macacada indiana” ou velhotes de bingo que se julgam capazes de libertar o mundo da ignorância fanática. Melhor não entrar em detalhes. Quem não conhece um Carlos por aí?

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