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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Erasmo de Roterdã: Elogio da Loucura.




Erasmo de Roterdã foi um influente teólogo, filósofo e humanista do século XVI. Ele traça, em" Elogio da Loucura", um panorama crítico e satírico de sua época: um retrato engraçado, mas fiel aos costumes da época. Satiriza os teólogos, critica os abusos da Igreja, tais como a riqueza, a sede de poder, a mediocridade dos temas estudados pelos clericais e condena as indulgências que levaram Lutero a rebelar-se contra a Igreja.






(...) segundo o provébio dos gregos, o macaco é sempre macaco, mesmo vestido de púrpura. (p.27)

(...) Convidai um sábio para um banquete, e vereis que ou conservará um profundo silêncio ou interromperá os demais convidados com frívolas ou importunas perguntas. Convidai-o para um baile, e dançará com a agilidade de um camelo. Levai-o a um espetáculo, e bastará o seu aspecto para impedir que o povo se divirta. Por se ter recusado obstinadamente a abandonar sua imponente gravidade, é que o sábio Catão* foi constrangido a retirar-se. Entra o sábio em alguma palestra alegre? Logo todos se calam, como se tivessem visto o lobo. Trata-se, porém, de comprar, de vender, de concluir um contrato, em suma, de fazer uma dessas coisas que diariamente sucedem a cada um? Tomareis o sábio mais por uma estátua do que por um homem, a tal ponto se mostra ele embaraçado em cada negócio. Assim, o filósofo não é bom, nem para si, nem para o seu país, nem para os seus. Mostrando-se sempre novo no mundo, em oposição às opiniões e aos costumes da universalidade dos cidadãos, atrai o ódio de todos com sua diferença de sentimentos ou maneiras.

* Estando Catão presente aos jogos florais, não quiseram os atores iniciá-los, porque as mulheres dançavam nuas e os homens formavam grupos lascivos. Exigiram-lhe, então, que deixasse o seu ar de gravidade ou se retirasse. Catão tomou o último partido. (p.37-38)

A principal vantagem da medicina está em que, quanto mais ignorante, ousado e temerário é quem a exerce, tanto mais estimado é pelos senhores laureados. Além disso, essa profissão, da maneira por que muitos a exercem hoje em dia, se reduz a uma espécie de adulação, quase como a eloqüência. (p.53)

(...) Um grego, de cujo nome não me recordo (...) sua história é tão engraçada que eu até quero contá-la. Esse homem era louco de todas as formas: desde manhã muito cedo até tarde da noite, ficava sentado sozinho no teatro e, imaginando que assistia a uma magnífica apresentação, embora na realidade nada se representassem ria, aplaudia e divertia-se à grande. Fora dessa loucura, ele era, em tudo o mais, uma ótima pessoa: complacente e fiel com os amigos; terno, cortês, condescendente com a mulher; indulgente com os escravos, não se enfurecendo quando via quebrar-se uma garrafa. Seus parente deram-se ao incômodo de curá-lo com heléboro; mal, porém, ele voltou ao estado que impropriamente se chama de bom senso, dirigiu-lhes esta bela e sensata apóstrofe: “Meus caros amigos, que fizeram vocês? Pretendem ter-me curado e, no entanto, matam-me: para mim acabaram-se os prazeres: vocês tiraram uma ilusão que constituía toda a minha felicidade”. Tinha sobras de razão esse convalescente, e os que, por meio da arte médica, julgaram curá-lo, como de um mal, de tão feliz e agradável loucura, mostram precisar mais do que ele de uma boa dose de heléboro. (p.61-62)

Mas não esqueçamos os astrólogos, aos quais o céu serve de biblioteca e os astros servem de livros. Graças a esse estudo, compreendem muito bem e revelam o futuro, predizendo maiores prodígios do que os magos. E o mais bonito é que ainda têm a fortuna de encontrar crédulos. (p.95)

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