O Brasil tem enraizado em sua "cultura" a defesa do coitadismo. Se alguém não estudou, coitado, é analfabeto (o Rio de Janeiro é a cidade com o maior número de escolas públicas municipais – notadamente responsável pela alfabetização e de ensino fundamental — DO MUNDO!). Se existem assaltantes, coitados, é porque não tiveram chance de estudar e querem ter o que você tem e conseguiu porque você estudou. Se alguém tomou uma multa porque avançou o sinal, coitado, ele não tem dinheiro para pagar a multa e acha um absurdo um governo autoritário. Se um servidor público, pago com o SEU dinheiro dos impostos, lhe trata mal, coitado, é porque ele ganha pouco (mesmo sabendo do salário quando prestou concurso, mas não reclama que possui estabilidade e não pode ser demitido).
O Executivo baixou uma lei (sim, eu sei que o Executivo não pode/deveria legislar, o Brasil é assim mesmo) criando a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PL 1991/07) em 2007, a qual foi aprovada pelo Congresso no início de julho de 2010 (não pergunte), cuja discussão vinha rolando por 20 (!!) anos. A lei cuida do destino dos resíduos sólidos, carinhosamente chamado "lixo", e prevê que até 2014 os lixões sejam coisa do passado. Isso parece bom do ponto de vista ambiental, só que o coitadismo vem e diz "Ah, mas e os pobres catadores de lixo?", e lá vamos nós de novo…
É um sonho idiota achar que um país deste tamanho acabaria com os chamados aterros sanitários ou "lixões". Um país com uma péssima conservação de estradas, horrível malha ferroviária, um sistema de saúde precário e uma política educacional ridícula, além de um sistema de telecomunicações bem porco como o nosso de vocês (eu moro em Tuvalu), achar que dar-se-á maior atenção onde enfiam o lixo seria esperar demais.
A política de reciclagem de lixo, no Brasil, é praticamente nula. Tomando a cidade do Rio de Janeiro como exemplo, é totalmente inútil qualquer iniciativa da população de separar seu lixo. Você separa, o pessoal da Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana) vem e joga tudo junto no caminhão e vai embora. Se você coloca tudo num saco, algum idiota vem, rasga o saco, pega o papelão sequinho, as garrafas PET(só pegam se for de refrigerante) e deixam tudo espalhado pelo chão. O caminhão vem e se algo não estiver devidamente ensacado, ele vai embora. Gari? Eles estão presentes nos bairros nobres, ou então aparecem como por encanto em dezembro, onde ele colocará um cartãozinho no seu portão lhe lembrando "das festas". Não adianta ensinarmos às crianças a importância da coleta seletiva de lixo, posto que aqui NÃO EXISTE tal coisa. E eu nem entrarei no mérito que a população é porca e joga lixo ao lado das cestas distribuídas pela prefeitura. Quando muito, jogam o lixo do lado e ateiam fogo na lixeira, pois povo civilizado age assim, não é?
Certamente me acusarão de racismo (tudo é racismo hoje em dia) ou de ser um porco preconceituoso da elite neo-liberal se eu disser que o fator sócio-cultural é plenamente responsável (ou nem sempre) por isso. Vejam, conheço uma determinada rua em Jacarepaguá (pois, é. Aqui tem uns lugares com nomes estranhos, como Cascadura, Freguesia e Taquara), onde de um lado da rua temos conjuntos habitacionais do tempo do BNH. Do outro lado, prédios mais novos, com pessoas de poder aquisitivo um pouco mais elevado, sem serem considerados classe média-média. Eu chamaria de classe média-mérdia; os do conjunto habitacional seriam classe média-subsolo. Numa calçada, o lixo arrumado em sacos, dispostos de maneira ordenada, de forma que os lixeiros peguem e levem embora. Do outro lado, o lixo é jogado de qualquer jeito, tem porco passeando e se banqueteando com as iguarias não aproveitadas, móveis velhos etc. Adivinhem qual é qual.
Isso reflete na população de uma maneira geral, pois as pessoas acabam se acostumando com isso. Diferente de Cingapura, onde cuspir no chão é uma multa pesada, vemos quem joga lixo com mar de reprovação, mas os mesmos que reprovam fazem algo semelhante… Ou pior! É como aquele cara que vem a 300 km/h, é parado pela polícia, oferece 50 reais para sair ileso, sem ser multado, chega em casa e esbraveja contra a corrupção da polícia e como empresários subornam deputados para votarem segundo seus interesses.
A política do coitadismo faz com que agora nos preocupemos com as pessoas que vivem dos lixões, pois, coitados, eles não terão onde trabalhar. Não podem ter um emprego decente, pois não têm estudo. Não têm estudo pois, coitados, eles estão cansados de trabalhar no lixão. Assim, se for pra estudar, coitados, deveriam receber bolsas-disso, bolsas-aquilo. Como eles não conseguem acompanhar as aulas, os políticos que se compadecem de sua dor votam leis para vigorar as chamadas "aprovações automáticas", onde o aluno não é reprovado, sai do colégio sem saber ler direito e não pode entrar no mercado de trabalho, pois mal sabe fazer contas. Alguns ainda conseguem alguma colocação no mercado, nem que seja como político, mas é raro isso acontecer.
Então, direciona-se as preocupações para com os catadores de lixo, a ponto de considerarem isso uma profissão e, indiretamente, enaltecer o fato do tiozinho ter comprado suas coisas pelo expediente de catar lixo num aterro sanitário. Eu fico pasmo em saber que físicos não possuem reconhecimento profissional enquanto existe um Comitê Interministerial de Inclusão Social de Catadores de Lixo (ou "materiais recicláveis", para aumentar mais ainda a auto-estima da galera). Duvida? Dá uma olhadinha AQUI! Morador de Lixão agora é status? Terão eles representantes no Congresso? Ah, bem… num país onde Tiririca faz parte da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, o que pode-se esperar?
Não, mais fácil criar outros lixões para que nossos valentes e incansáveis trabalhadores possam se sustentar. Estudo? Profissionalização? Para quê? Devemos entender a realidade deles, mesmo sendo algo irreal para uma mente racional que preza um desenvolvimento social em âmbito nacional.
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