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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Artigo sobre a Ilusão de Design na natureza

Após postar o episódio da série "Growing up in the Universe", achei melhor postar um artigo que trata sobre a ilusão de design na natureza, para introduzir um pouco os leitores do blog ao tema. Achei o artigo no excelente site do meu amigo Kentaro Mori, "Ceticismo aberto":



A ilusão de Design




por Richard Dawkins
O mundo está dividido em coisas que parecem como se alguém lhes tivesse projetado (asas e rodas de carros, corações e televisores), e coisas que só aconteceram através do funcionamento involuntário da física (montanhas e rios, dunas de areia, e sistemas solares). O Monte Rushmore pertencia firmemente à segunda categoria até que o escultor Gutzon Borglum o trabalhasse, caindo na primeira. Charles Darwin foi em outra direção. Ele descobriu uma maneira na qual as desamparadas leis da física – as leis segundo as quais as coisas "simplesmente acontecem" – poderiam, na totalidade do tempo geológico, imitar umdesign proposital. A ilusão de design é tão bem sucedida que a maior parte dos americanos hoje (incluindo, significativamente, muitos americanos ricos e influentes) teimosamente se recusa a acreditar que é uma ilusão. Para essas pessoas, se um coração (ou um olho ou um flagelo bacteriano) parece arquitetado, isso é prova suficiente de que é projetado.
Argyroneta Aquática: Uma aranha que literalmente constrói um sino de mergulho, criando uma câmara de ar-exemplo de ilusão de design
Não admira que Thomas Henry Huxley, "o buldogue de Darwin", ao ler A Origem das Espécies, disse sobre si mesmo: "Como fui estúpido em não ter pensado nisso antes." E Huxley era o menos estúpido dos homens. O fôlego e alcance da idéia de Darwin – amplamente documentado no campo, como Jonathan Weiner descreve em "Evolução em Ação" – aliam-se com sua audaz simplicidade. Pode-se escrevê-la em uma frase: sobrevivência não-aleatória de instruções hereditárias variando aleatoriamente para a formação de embriões. No entanto, dadas as possibilidades oferecidas pela grande quantidade de tempo, esse simples e pequeno algoritmo gera prodígios de complexidade, elegância, e diversidade de design aparente. O verdadeiro design, do tipo que vemos numa escultura, num avião a jato, ou num computador pessoal, acaba por ser uma manifestação de uma entidade – o cérebro humano – em que ela própria nunca foi projetada, mas é um produto desenvolvido pelo moinho de Darwin.
Paradoxalmente, a extrema simplicidade do que o filósofo Daniel C. Dennett chamou de a perigosa idéia de Darwin pode ser sua maior barreira a aceitação. As pessoas têm dificuldade em acreditar que um mecanismo tão simples possa chegar a resultados tão poderosos.
Os argumentos de criacionistas, incluindo aqueles criacionistas que camuflam as suas pretensões sob a frase politicamente desonesta "teoria do design inteligente", repetidamente regressam à mesma grande falácia. Algo parece projetado. Logo, foi projetado. Continuando meu paradoxo, há a idéia de que o ceticismo de quem muitas vezes recebe a idéia de Darwin idéia é uma medida da sua grandeza.
Parafraseando o geneticista do século 20 Ronald A. Fisher, a seleção natural é um mecanismo de geração de improbabilidade em uma enorme escala. Improvável é quase um sinônimo para inacreditável. Qualquer teoria que explica o que é altamente improvável está pedindo para ser negada por aqueles que não a compreendem.
Um rotífero bdelódeo (Philodina gregaria), encontrado na Antárdida-só se reproduz assexualmente.

No entanto, o altamente improvável existe no mundo real, e precisa ser explicado. Improbabilidade adaptativa – complexidade – é precisamente o problema da vida que qualquer teoria tem de resolver e que a seleção natural, a única que até então a ciência reconhece, resolve. Na verdade, é o design inteligente a maior vítima do argumento da improbabilidade. Qualquer entidade capaz de projetar deliberadamente uma criatura viva, para já não falar de um universo, teria de ser extremamente complexa por si própria.
Se, como o astrônomo dissidente Fred Hoyle acreditava erroneamente, a espontânea origem da vida é tão improvável quanto um furacão soprando um ferro velho tivesse a sorte de montar um Boeing 747, então um designer divino é o Boeing 747 final. A origem espontânea dodesignerex nihilo, teria de ser ainda mais improvável do que a mais complexa de sua alegada criações. A menos, claro, que ele tenha se baseado na seleção natural para fazer o seu trabalho! E, nesse caso, se poderia perguntar, ele precisa existir absolutamente?

A realização não-aleatória da seleção natural é a de domar o acaso. Minimizando a sorte, quebrando assim a improbabilidade em um grande número de pequenos passos – cada passo um tanto improvável, mas não tão ridiculamente improvável – a seleção natural aumenta paulatinamente a improbabilidade.
À medida que as gerações passam, o aumento leva a improbabilidade a se acumular a níveis que – na ausência do paulatino acréscimo – seria superior à credibilidade de todos os sensatos.
Muitas pessoas não percebem tais acréscimos cumulativos não-aleatórios. Elas acham que a seleção natural é uma teoria de azar, por isso não me admira que elas não acreditem nela! A batalha que nós biólogos enfrentamos, na nossa luta para convencer o público e os seus representantes eleitos, é que a evolução é um fato, soma-se à batalha para transmitir-lhes o poder da engrenagem de Darwin – o Relojoeiro Cego – impulsionando-lhes a escalada dos declives suaves do Monte Improvável.
O argumento mal empregado da improbabilidade não é o único usado pelos criacionistas. Eles são muito apreciadores de lacunas, tanto lacunas literais no registro fóssil quanto nas lacunas de sua compreensão daquilo que o darwinismo advoga. Em ambos os casos, a (falta de) lógica do argumento é a mesma. Alegam uma lacuna ou deficiência no cômputo Darwiniano. Em seguida, sem sequer averiguar se o design inteligente sofre da mesma deficiência, eles proclamarão vitória para a "teoria" rival. Este raciocínio não é o modo de se fazer ciência. Mas a ciência é precisamente aquilo que os "cientistas" criacionistas, apesar das ambições dos seus fanfarrões do design inteligente, não estão fazendo.
O simpático Dragão-marinho, disfarçado de alga-marinha: A evolução lhe deu ferramentas para se esconder de seus predadores.


No caso de fósseis, como Donald R. Prothero documenta em "The Fossils Say Yes" [ver a versão impressa da Natural History, em que este artigo apareceu pela primeira vez], os biólogos de hoje são mais felizes do que Darwin foi por ter acesso à linda série da fase de transição: registros quase cinematográficos de mudanças evolutivas em ação. Nem todas as transições são tão comprovadas, é claro – daí as lacunas. Alguns pequenos animais simplesmente não fossilizam; seus filos são conhecidos somente a partir de espécimes modernos: a sua história é uma grande lacuna. As lacunas equivalentes para qualquer criacionista ou teoria do design inteligente seria a ausência de um registro cinematográfico de cada movimento de Deus na manhã que ele criou, por exemplo, as bactérias motoras flageladas. Não só faltam tais videoteipes divinos: há uma total ausência de provas de qualquer tipo de design inteligente.
Ausência de provas a favor não é prova contrária, claro. Provas positivas contra a evolução poderiam ser encontradas facilmente – se é que elas existem. O contemporâneo e rival de Fisher, J. B. S., Haldane, foi perguntado por um fanático popperiano o que falsificaria a evolução. Haldane respondeu, "Fósseis de coelhos no Pré-Cambriano." Nenhum fóssil do tipo foi encontrado, é claro, apesar de inúmeras pesquisas para espécies anacrônicas.
Existem outros entraves para a aceitação do darwinismo. Muitas pessoas não conseguem suportar a idéia que elas são primas não apenas dos chimpanzés e macacos, mas de céstodos, aranhas e de bactérias. A intragabilidade de uma proposição, no entanto, não tem qualquer influência sobre a sua veracidade. Eu, pessoalmente, acho a idéia de familiaridade com todas as espécies vivas bem agradável, mas nem a minha simpatia para com ela, nem o pavor de um criacionista, tem a menor influência sobre a sua veracidade.
O espertinho peixe-pescador:isca para chamar a atenção de suas presas

O mesmo pode ser dito sobre objeções políticas ou morais ao Darwinismo. "Diga às crianças que elas não são nada mais que animais e elas se comportarão como animais". Eu não aceito por um momento sequer que a conclusão decorra da premissa. Mas mesmo que eu o fizesse, uma vez mais, uma conseqüência desagradável não pode comprometer a verdade de uma premissa. Alguns disseram que Hitler fundou sua filosofia política no darwinismo. Isso é um disparate: doutrinas de superioridade racial em nada decorrem da seleção natural, devidamente compreendida. No entanto, um bom caso poderia ser feito de que uma sociedade que corresse em linhas darwinistas seria uma sociedade muito desagradável para se viver. Mas, mais uma vez, o dissabor de uma proposição não tem qualquer influência sobre a sua veracidade.
Huxley, George C. Williams, e outros evolucionistas se opuseram ao darwinismo como uma doutrina política e moral tão apaixonadamente quanto defenderam a sua verdade científica. Considero-me entre eles. A Ciência precisa compreender a seleção natural como uma força na natureza, opondo-se a ela como uma força normativa na política. O próprio Darwin manifestou consternação perante a indiferença da seleção natural: "O que um livro como Devil’s Chaplainpoderia escrever sobre as obras rudes, devastadoras, descuidadas e horrivelmente cruéis da natureza!".
Apesar do sucesso e da admiração que ele ganhou, e apesar da sua grande e amável família, a vida de Darwin não foi feliz. Preocupado com a deterioração genética em geral e os possíveis efeitos da endogamia mais perto de casa, como James Moore documenta em "Good Breeding" [ver edição de novembro da revista Natural History], e atormentado pela doença e luto, como a entrevista de Richard Milner com o psiquiatra Ralph Colp Jr. mostra em "Darwin’s Shrink", as façanhas de Darwin parecem mais impressionantes. Ele ainda encontrou tempo para distinguir-se como experimentador, especialmente com plantas. Os artigos de David Kohn e de Sheila Ann Dean ("The Miraculous Season" e "Bee Lines and Worm Burrows" [ver a edição de novembro da revista Natural History]) levam-me a pensar que, mesmo sem suas principais realizações teóricas, Darwin ganharia reconhecimento permanente como experimentador, embora um experimentador com o estilo de um amador cavalheiresco, que poderia não cair nas boas graças dos referees dos periódicos modernos.
Quanto às suas principais realizações teóricas, naturalmente, a nossa compreensão dos detalhes mudaram desde a época de Darwin. Esse foi o caso, especialmente, durante a síntese de Darwinismo com a genética digital Mendeliana. E, além da síntese, como Douglas J. Futuyma explica, em On Darwin’s Shoulders, [ver a edição de novembro da Natural History Magazine] e Sean B. Carroll detalha ainda mais para o excitante novo campo de "evo-devo", em "The Origins of Form", o Darwinismo revela-se uma florescente população de teorias, ele próprio em rápida mudança evolutiva.
Em todo o desenvolvimento da ciência há divergências. Mas cientistas – e aqui está o que separa os verdadeiros cientistas dos pseudocientistas da escola do design inteligente – sabem qual prova seria necessária para mudar de idéia. Uma coisa de que todos os verdadeiros cientistas estão de acordo é o fato da própria evolução. É um fato que somos primos de gorilas, cangurus, estrelas-do-mar e bactérias. Evolução é um fato tanto quanto o calor do sol. Não é uma teoria, e, por piedade, vamos parar de confundir os filosoficamente ingênuos chamando-a dessa forma. Evolução é um fato.

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