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terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O crime de ser pobre








Maria, como tantas Marias e Josés, nasceu numa família humilde e trabalhadora da zona rural de São José.

Ainda criança trocou as bonecas e brincadeiras da infância pela enxada e pela lida da casa para ajudar a família.

Quando ainda era mocinha, viu a tecnologia chegar ao campo prometendo milhões de vantagens e facilidades, mas o que ela não sabia, era que tanta tecnologia, dispensou da lida o trabalho dela e de toda a família que se viram obrigados a vir pra cidade.



Na cidade, como moça honesta, trabalhou de empregada doméstica na casa da antiga patroa da fazenda, que lhe dava uma renda modesta, comida e um quartinho no fundo do fundo do apartamento de último andar.



Como ganhava bem pouco e o trabalho era muito, nunca teve oportunidade de estudar. Sabia das letras o básico para pegar um ônibus e fazer as compras na feira, e da matemática apenas a dividir pois nunca tivera oportunidade prática de somar.



Aos domingos, seu único dia de folga, ia até o parque Santos Dumont ver os patos nadarem, e lá conheceu João, moço que parecia direito e que prometeu com ela casar. E assim João vendendo-lhes sonhos que não tinha intenção de entregar, fez-lhe um filho, que não assumiu, mas sumiu.



Maria, brava guerreira, trabalhou na faxina e na cozinha da casa da patroa até o dia de dar a luz e viveu com seu filho no quartinho dos fundos até completar-se o período legal que resguarda seus direitos trabalhistas, mas que vencidos, foi sumariamente despedida pela patroa, mulher muito religiosa que frequentava eventos de caridade em clubes de serviço, que não admitia mãe solteira em seus domínios.



E na rua, sem ter para onde ir, Maria alugou com o dinheiro que recebeu de sua indenização, um quartinho num cortiço escondido entre os labirintos da região central, donde saía para oferecer serviços de faxina e de diarista para as madames da região.



E trabalhando noite e dia para garantir o sustento de sua família, Maria foi se acabando de tanto trabalhar sem que o dinheiro fosse suficiente para as despesas que só cresciam, até que chegou ao ponto de ter de optar entre pagar o aluguel, a cada dia mais e mais caro, ou dar de comer ao seu filho.



Sem ter alternativa, Maria foi morar com seu filho numa ocupação de terras atrás dos pinheirinhos no fundo da zona sul, onde contando com a solidariedade de outros tantos que, como ela, dividiam uma vida à beira da miséria, ergueu um barraquinho, onde podia se esconder do calor e do frio.



Sem ter a grande despesa do aluguel que consumia quase tudo que ganhava, Maria pode dar uma vida melhor ao seu filho. Pode lhe dar melhor refeição, roupas novas, até uma televisão para se distrair da solidão. E assim, sua vida começou a melhorar e pode enfim respirar um pouco numa vida tão sofrida.



Foi quando conheceu Pedro, o pedreiro, que com ela se ajuntou e formaram uma família que um tempo depois, deu espaço para mais dois novos irmãozinhos. Com muito esforço, Maria e Pedro, iam juntando o pouco que sobrava do que ganhavam para transformar aquele velho barraquinho de madeira e papelão, numa casa de alvenaria, na qual Pedro dedicava todos os seus fins de semana, afim de garantir um teto melhor para seus filhos.

Maria, além de fazer as faxinas, aprendeu a costurar, e fazia uns bicos, com os quais conseguiu juntar um dinheirinho para comprar um tanquinho para se matar menos no tanque de roupas. E assim, como muito sacrifício, iam progredindo, os filhos crescendo numa família feliz.



E tudo caminhava para um belo fim, até que numa madrugada de domingo, num 22 de janeiro, a Polícia Militar reuniu um exército de dois mil homens, helicópteros, bombas e afins e pôs abaixo, todo o sonho e sacrifício de anos à fio.



Arrancados à força de sua casa com as roupas do corpo à botinadas, agarrados aos seus filhos, viram ruir não só os seus sonhos, mas também de todos os seus amigos e vizinhos. Duma hora para outra, seus filhos não podiam mais sonhar nem brincar. A sua casinha, a tevê, a máquina de costura e o tanquinho foram todos demolidos pelos tratores do sistema.



Coube-lhes morarem espremidos num colchão em um abrigo improvisado da prefeitura, amontoados feito gado confinado à espera de comida e da esperança perdida de quem não sabe por onde recomeçar a vida, deitada fora para garantir mais uma vez, os lucros do patrão.



Suas crianças, cujos olhos perdidos buscam o brilho que tinham em meio ao entulho de desgraças criadas pela “força da lei” como que sem entender, procuram saber porque nascer pobre nessa terra é viver à margem da lei. Culpados por nascer, por uma sociedade que em suas paróquias condena o aborto, para essas crianças, essas Marias, Pedros, Joãos e Josés, Pinheirinho não simboliza mais as alegrias do Natal, mas a falência de uma sociedade que coloca o capital acima do direito de viver



Fouad Abbas

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