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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Artigo:A “Independência” do Brasil



Por que a palavra “Independência” do título está entre aspas? Por uma razão bem simples: Não somos independentes. Claro, somos uma nação soberana, com poderes independentes plenamente constituídos, mas usar uma palavra que demonstra claramente uma libertação da influência e do desmando estrangeiro em nosso território é mais uma jogada patriótica do que análise da realidade. Não é a toa que a historiografia moderna chama o movimento que culminou na separação de Brasil com Portugal no dia 7 de Setembro de 1822 de “Emancipação Política”, e não mais Independência.

Qual a diferença deste movimento para os outros que acontecerem na América quase que ao mesmo tempo? Em relação aos E.U.A., a diferença é gritante. Enquanto os estadunidenses foram colonizados por aproximadamente cem anos, com relativa liberdade econômica, nós fomos colonizados duramente por mais de trezentos anos, sem liberdade de pensamento, comercial ou mesmo de produção. O pacto colonial com Portugal era mais duro do que com a Inglaterra. Isso em partes explica o nosso atraso econômico em relação aos EUA. Porém, nos igualamos a este país na questão da escravidão. Ficamos independentes com os gritos de liberdade, mas essa liberdade não chegou às senzalas brasileiras, nem americanas. Liberdade na época era um conceito somente aplicável para o homem branco. Tanto aqui quanto lá a escravidão permaneceu intocável por muitos anos e não foi sequer discutida seriamente nos processos de emancipação dos dois países para não desagradar as elites agrárias, poderosíssimas, como são até hoje.

Em comparação com o restante da América Latina, nosso conservadorismo se deu na escolha do modelo político adotado pelo príncipe, a monarquia absolutista, enquanto todos os outros países viraram Repúblicas. O modelo centralista e burocrático do Império Brasileiro, junto com o despótico poder moderador, serviu para moldar a forma como o poder central lida com as questões regionais e que pauta as decisões do governo até hoje: um centro mandando enquanto o resto obedece.

Sendo assim, depois desta longa introdução, qual o legado histórico deste Sete de Setembro hoje? Por que as ruas não são tomadas por pessoas com bandeiras do Brasil e os cidadãos não fazem festas com fogos de artifício, como vemos nos filmes americanos? Por uma razão simples: Nossa emancipação não foi resultado de lutas internas contra um invasor externo. A nossa, ao contrário da Revolução Americana, foi resultado de um jogo político ardiloso, com pequenas batalhas situadas no norte e nordeste, mas com caráter mais de interesses comerciais na região (já que os comerciantes portugueses eram contra a separação dos dois países), do que propriamente político. Desta forma, como é característico no nosso país, a população não foi convocada para a luta, pois as próprias elites locais tinham medo da participação popular, então fizeram todo o jogo político entre si.

A corte estava no Brasil desde 1808 e o Rei D. João VI precisou voltar para Portugal assumir o trono que estava em xeque pelo descontentamento da elite lusitana, que se sentina abandonada em seu país de origem, pois Napoleão já havia sido vencido e não representava mais um risco à Coroa. Dessa forma, D. João deixa como príncipe–regente seu filho Pedro, que acabou herdando a Coroa depois de desentendimentos com as mesmas elites portuguesas que exigiram o retorno de seu pai, pois estas exigiam o mesmo a seu respeito. A ruptura não aconteceu de forma plena, exemplificada na frase de D. João a seu filho nas vésperas do Sete de Setembro: “Pedro, se o Brasil se separar antes seja para tí, que Me Hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”, chamando de “aventureiros” claramente aqueles que desejavam uma separação mais profunda e radical com Portugal. De qualquer forma, o mesmo D. Pedro I, coroado com festas em 1822, teve de abdicar em 1831 devido às perseguições políticas sofridas pelos mesmos que o colocaram no trono. Porém, devemos relatar o fato de que a Independência só foi reconhecida por Portugal mediante um pagamento de dois milhões de libras esterlinas. Ou seja, o Brasil já começa sua história endividado com potências estrangeiras.

A mentalidade coletiva em relação ao processo de separação política é também recheada de mitos, sem relação histórica com a realidade. Acontecimentos como aquele retratado no quadro de Pedro Américo são romanceados, nunca aconteceram. Até mesmo o famoso “grito do Ipiranga” que D. Pedro teria dado é fruto de discussões entre historiadores, pois não há nenhuma referência a ele em documentos da época. Desta forma, conseguimos ver que a História é um processo em construção, e seus mitos e heróis também são criados de acordo com interesses dos governantes. A nossa chamada “Independência” deve ser lembrada mais de forma crítica do que heróica ou festiva, porque devemos recordar a todo instante que ainda somos um país em construção, onde a resolução de problemas como a fome, a miséria, educação e saúde são mais importantes do que desfiles militares e discursos pomposos em datas comemorativas.

Fábio Z. Candioto é historiador

Um comentário:

Rodolfo disse...

Até quando seremos subordinados?