Pesquisar este blog

domingo, 27 de fevereiro de 2011

"O Ritual"-Surtos de Anthony Hopkins seguram novo filme de exorcismo


O seleto grupo dos filmes de exorcismo, um verdadeiro sub-gênero do terror e suspense, ganhou em O Ritual um digno novo integrante.
Baseado no livro The Rite, de Matt Baglio, o filme mostra um seminarista reticente (figurinha manjada desse tipo de produção) sendo enviado ao Vaticano para um curso de exorcismo. Baglio, um jornalista que conviveu com tais clérigos especializados em expulsar o mal, decidiu escrever um livro relatando as experiências do citado padre, Gary Thomas, quando foi alardeado que a Santa Sé visava colocar um exorcista em cada uma de suas dioceses.


Com o nome trocado para Michael Novak e interpretado no filme pelo pouco conhecido Colin O'Donoghue, o protagonista conhece na Itália um dos únicos exorcistas em atividade, o Padre Lucas, e começa assim mais um rounddo eterno embate entre o bem e o mal, a fé e o ceticismo, a ciência e a religião.
O'Donoghue tem uma participação insossa, foi muito mal escolhido, mas nem precisa se esforçar muito com o elenco que o cerca. Alice Braga, com a competência habitual, faz as vezes de Baglio como uma jornalista que segue o personagem principal. Colocar os excelentes Ciarán Hinds(Padre Xavier), Toby Jones (Padre Matthew) e Rutger Hauer (o pai de Michael) em papéis secundários também ajuda a elevar a qualidade do jogo. Mas é mesmo Anthony Hopkins que rouba a cena. O ator está inspiradíssimo, surtado, ora engraçado, ora assustador, como o Padre Lucas. Desde O Silêncio dos Inocentes não parecia que ele se divertia tanto em um papel - e a entrega faz toda a diferença, equilibrando a balança.
O diretor Mikael Håfström (1408Fora de Rumo) e o roteirista Michael Petroni conseguem manter a tensão sem as ferramentas consagradas desse tipo de filme, apenas com a bela ambientação (o filme foi rodado em Budapeste e Roma), nas atuações periféricas e com o velho artifício textual e sempre instigante do "baseado em fatos". "Não espere cabeças girando ou sopa de ervilha jorrando", explica o Padre Lucas, fazendo piada com o grande clássicoO Exorcista.
De qualquer maneira, o diabo em O Ritual é presente, sim, mas como um oponente intelectual. Suas respostas e debates são instigantes - e ele até faz uso de meio mais modernos, como uma ligação telefônica, para fazer-se crer (nem quero imaginar quanto custa o roaming no inferno).
Essa insistência na comunicação - há também uma outra cena, engraçadíssima, envolvendo um celular - evidencia uma das ideias de O Ritual, uma que andava meio esquecida nos filmes do gênero: o mal é uma mensagem e os possuídos são seu "aparelho", não seu alvo. Para quem prefere uma aparição mais gráfica, no entanto, fica a decepção. O capeta só dá as caras nos sonhos de Michael, através de cenas em sua maioria embasadas em relatos e histórias supostamente reais envolvendo demônios, como os cascos na neve, extraídos de uma estranha ocorrência de 1855 na cidade de Devon, Inglaterra.
Essa tentativa de manter o filme o mais realista possível, sem grandes arroubos hollywoodianos de perversão, choques e poucos sustos fáceis, é o que torna O Ritual recomendável. Ainda que o clímax, cheio de reviravoltas, vá ao encontro do cinema de terror mais convencional, é a discussão do que é real o que interessa - e o que você fará com as respostas que procura se um dia as obtiver...


Não sei se foi a intenção do roteirista, do livro que inspirou o filme ou do próprio diabo, mas as palavras "céticos" e "ateu" são citadas constantemente como xingamento e grave ofensa. Talvez muitas pessoas que viram o filme concordem com a visão de que não se deve contestar a crença em deus ou nas possessões demoníacas, mas o próprio personagem Michael utiliza um argumento muito interessante, quando compara as alegações de crença em deus com afirmações de pessoas que juram ver alienígenas, já que nenhuma das duas é cientificamente verificável. Neste momento do filme, o padre Xavier diz que a questão deve ser vista com a ótica da fé e como se sabe, esta por si só nada prova. 
O espectador mais católico sem dúvidas sai do filme acreditado que o pobre deus-pagão Baal,  dos cartagineses é um de fato demônio que possui padres nos dias de hoje. É interessante saber que mesmo atualmente o Vaticano ainda de fato possui exorcistas (veja aqui),  embora o tema seja tratado com descrição e sem a teatralidade que vemos no Brasil, nos templos evangélicos, como da Igreja Universal. 
Pessoalmente, duvido que qualquer alegado "possuído" ao tomar na veia uma boa dose de remédios psiquiátricos regularmente vá continuar recebendo o demônio, mas enfim, cada instituição religiosa com suas crenças, por mais absurdas que sejam para céticos e ateus como eu.

Voltando ao filme em si, Hopkins têm todos os holofotes, ao mesmo tempo em que não ofusca os dois outros personagens principais (a jornalista e Michael). Sua inconfundível e marcante voz se destaca nas cenas mais dramáticas, mostrando competência que falta a muitos atores atuais. Há tempos não via um papel que encaixasse tão bem com um ator, como o velho padre Lucas. A história também é  muito bem construída, atingindo o objetivo claramente do início ao fim, ao mostrar um seminarista que tinha dúvidas e por experiência pessoal, passou à acreditar em tudo que sua igreja prega.
Também merece uma menção a atriz Marta Gastini que interpreta com perfeição uma grávida de 16 anos possuída pelo demônio. 
Trailer:




Nenhum comentário: