O evento faz parte de uma manifestação global que vai ocorrer em outras 79 cidades do mundo inteiro neste fim de semana --uma campanha encabeçada pelo grupo britânico 10:23.
A ideia, segundo os organizadores do movimento, é protestar contra a falta de evidências científicas que demonstrem a eficácia dessas medicações.
Às 10h23 da manhã, pontualmente, os céticos paulistanos entornaram vidros inteiros de remédios homeopáticos. O horário é uma alusão à constante de Avogadro, referência usada na química para calcular quantidades de substâncias.
"Isso é o que eu chamo de suicídio homeopático", disse um dos manifestantes após sorver todo o seu comprimido. 'Se eles realmente funcionassem, eu estaria agora caído no chão, com espuma saindo pela boca'.
O analista de sistemas Kentaro Mori, um dos coordenadores do protesto, também não parecia temer qualquer efeito colateral de uma suposta overdose.
"Todas as leis da física e da química garantem que não vai dar nenhum efeito", disse ele, após virar uma dose inteira do composto feito à base beladona, uma planta tóxica que é diluída para produzir muitos desses remédios.
"A diluição é tão grande que para se achar uma única molécula da substância teríamos que administrar 6 bilhões de doses para 6 bilhões de pessoas durante 4 bilhões de anos", completou o também analista de sistemas Carlos Bella, 38, que comprou seis frascos por R$ 50 para fazer o protesto.
"Dá pra ver que é o açúcar mais caro do mundo", ironizou o advogado Alexandre Medeiros, 40.
Alguns instantes depois, aproximou-se um grupo de terapeutas homeopatas e adeptos dessas medicações.
A designer gráfica Marisa Luiz, 53, que toma esse tipo de remédio há mais de cinco anos, classificou o protesto como uma "palhaçada".
"Eles não conhecem princípios da homeopatia. Se eles realmente quisessem uma overdose, teriam que tomar várias vezes ao dia, e não assim, de uma vez só", afirmou.
Rubens Dolce Filho, presidente da Associação Paulista de Homeopatia, concorda.
"Isso é uma bobagem enorme. Não existe overdose em homeopatia dessa forma."
A terapeuta homeopata Ana Paula Macedo começou a notar que alguns dos céticos apresentavam sinais no corpo de possíveis efeitos colaterais da superdosagem.
"Alguns estão com pontos vermelhos nas faces e estão tomando muita água porque a boca está seca. É um sinal de que está acontecendo alguma coisa".
O biólogo Yuri Grecco, 32, do grupo de manifestantes, rebate: 'Dizer isso é de uma desonestidade intelectual tremenda. Eu suo o dia inteiro porque sou obeso e o sol está bem forte'.
Bella resume a ideia do movimento: "Não estamos lutando contra um laboratório específico. Estamos alertando para uma situação em que há dinheiro público financiando tratamentos e pesquisas sem que haja demonstração de que a homeopatia tem uma base, que é uma ciência".
Folha
Entrevistei a bióloga Cristiane Souza, de 32 anos, que participou do evento. Segundo ela, o dinheiro gasto em pesquisas envolvendo a homeopatia é mal empregado e são esperados mais manifestantes no ano que vem, para o mesmo evento.
-Qual foi o maior objetivo da manifestação?
R:A manifestação faz parte de uma campanha internacional de conscientização para que médicos prescrevam somente medicamentos que funcionem, também é um protesto pelo muito que já foi gasto em tempo e dinheiro, em um tratamento que não traz efeito algum aos pacientes. Nos duzentos anos em que esses tratamentos existem, nunca houve uma só evidência de que eles funcionem. E sendo nada além de água e açúcar, é de fato impossível que eles funcionem para qualquer uma das coisas alegadas pelos homeopatas. Dezenas de bilhões de dólares são gastos todos os anos ao redor do mundo nesses remédios ineficazes e, quando se explica do que realmente se tratam e como são feitos, a maioria das pessoas se choca e não acredita que esses tratamentos inúteis continuam a ser vendidos para o público incauto.
- O público que passava pela rua se interessou pelo protesto?
R:Sim.
Em São Paulo o protesto foi realizado na Pça. Benedito Calixto e bem em frente, aos sábados, acontece uma feira de artesanatos, então o local estava bastante cheio e muitas pessoas pararam para observar, algumas até se aproximaram e participaram dos debates que estavam acontecendo.
-O evento será realizado novamente, no ano que vem?
R:Contamos que sim, acredito que muitas pessoas deixaram de participar esse ano por que não se sentiram seguras, mas ao ver que se tratava de uma manifestação pacífica e que atingiu seu objetivo ao abrir um extenso debate sobre a Homeopatia, irão comparecer no ano que vem.
Então esperamos um evento ainda maior para 2012.
Segundo matéria da Folha, o médico Rubens Dolce Filho, presidente da Associação Paulista de Homeopatia, afirma que vai acompanhar o protesto no sábado. Ele acredita que os manifestantes não vão sentir efeitos colaterais. "Você pode tomar um litro do remédio, e não vai acontecer nada. Se tomarem por muito tempo, vão ter sintomas. Com uma dose só, não vai acontecer nada."
O que se pode falar sobre esta declaração?
R:É contraditória, até por que a presidente da associação nacional de homeopatia, Márcia Gutierrez, disse exatamente o contrário na matéria:
“Ela afirma ainda que, diferentemente do que dizem os "céticos", há risco sim em tomar homeopatia de forma indiscriminada. "Não é inócuo. Quem tomar pode ter sinais e sintomas. Se algum deles tiver alguma predisposição, pode haver um agravamento disso. É uma irresponsabilidade recomendar comprar remédio e tomar o vidro inteiro."”
Já uma senhora que interviu ao final da manifestação em São Paulo, alegou que apenas se tomássemos 1 comprimido a cada 3 horas durante um dia poderíamos ter complicações, logo depois apontou em uma participante cética dizendo que esta já manifestava “sintomas da ação da Belladona” ( detalhe: ela nem havia tomado Belladona ).
Ainda segundo os princípios da própria Homeopatia, quanto maior a diluição, mais potencializado é o medicamento. Então como pode em um vidro inteiro não fazer nenhum efeito? Do ponto de vista químico, já sabemos que com tal diluição a chance de encontrar uma mísera molécula do soluto é nula, o interessante é que o Dr Rubens parece concordar com isso também.
Durante o protesto a homeopata de Viçosa afirmou que o efeito de uma “bolinha” era o mesmo do frasco todo. Fica mais contraditório ainda não?
Sobre isso, uma das nossas amigas céticas, Julia Rocca, teceu um comentário interessante: “se a dose não é importante, mas apenas o fato de que o princípio é igual ao problema; então um paciente pode comprar as bolinhas e parti-las ao meio, tomando metade do recomendado e terá o mesmo efeito que tomando inteira. Assim economiza bastante, porque o remédio vai durar mais. Na verdade, ele poderia apenas lamber o mesmo comprimido várias vezes e também teria o mesmo efeito !”
Eu mesma tomei 120 bolinhas de “Belladona”, minha enxaqueca não passou (e a homeopata que vendeu o medicamento jurou que naquela diluição não tinha erro, a dor passaria) e também não senti nenhum efeito nocivo de uma superdosagem do composto, que como sabemos, é altamente tóxico, justamente por que não havia composto algum.
Muitas pessoas tem questionado se os manifestantes passam bem, posso afirmar que já se passaram mais 72 horas da ingestão dos “medicamentos” e até agora nenhum dos manifestantes apresentou o menor sintoma.
-Ana Paula Macedo, estudante de homeopatia, afirmou durante o protesto que não existe dose
cavalar de homeopatia. Existe fundamento científico para tal alegação?
R:Realmente não é possível se dizer que exista a possibilidade de uma overdose para um produto homeopático com a diluição ingerida no manifesto, 30C. Neste grau de diluição para que houvesse chance de alguém ingerir uma única molécula de soluto seria necessário ministrar 6 bilhões de doses da solução para 6 bilhões de pessoas durante 4 bilhões de anos !
Entretanto as declarações dos homeopatas quanto aos riscos de algum risco na ingestão de doses excessivas do produto forma bem divergentes:
- A mesma Ana Paula Macedo, momentos depois da ingestão do “medicamento” pelos céticos apontou em um participante cético sintomas que seriam indicativos da ação da Belladona”.
Ou seja, a ingestão excessiva daqueles produtos ora não faria efeito, ora faria efeito, ora não faria efeito mas estava fazendo efeito.
O que as declarações dos especialistas Homeopatas antes, durante e depois deste evento demonstram é que não existe um conhecimento real do alegado mecanismo de ação dos produtos homeopáticos, nem mesmo por especialistas da Homeopatia, e este desconhecimento provém unicamente do fato de que este suposto mecanismo de ação seria de uma ordem que na prática poderia ser chamada de metafísica.
Sem uma demonstração científica real da ação de seus “medicamentos” os próprios apologetas da homeopatia confrontam-se em suas opiniões de fé acerca de sua efetividade.
-Vocês foram ameaçados de processo por causa do protesto?
R:Não, no começo a Dra. Márcia havia ameaçado chamar a Covisa e a Polícia Militar por que estaríamos incitando o suicídio e que era um risco sanitário grave, mas nenhum dos dois órgãos compareceu no evento.
O protesto foi pacífico, em nenhum momento citamos nomes de farmácias de manipulação ou fizemos críticas aos profissionais da área, então acredito não haver motivo para uma ameaça de processo judicial.
-Existem muitas pesquisas homeopáticas financiadas no país. Você acredita que este dinheiro é mal-empregado? Por que?
R:Sem dúvida, a verba para a área de Saúde é limitada, o Brasil enfrenta sérios problemas de saúde pública e é uma perda de tempo, esforço e dinheiro financiar pesquisas sem fundamento científico algum, como é o caso da homeopatia.
-Alguns homeopatas alegam que a manifestação foi patrocinada pela indústria farmacêutica. O que se pode falar sobre isto?
R:Uma piada. As indústrias farmacêuticas não parecem estar nem um pouco preocupada com esse tipo de concorrência, já que os lucros delas continuam em alta.
Mas se alguma delas quiser patrocinar projetos de divulgação científica, ficaríamos bem gratos.
Tudo foi pago pelos próprios manifestantes, até mesmo a consulta e compra dos medicamentos usados na “tentativa de suicídio”, tudo por nossa conta e risco.
Vídeo do protesto:
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