Fazia tempo que eu reclamava que nenhum Testemunha de Jeová batia em minha porta para conversar. Mas, hoje, isso mudou. Eu estava começando a trabalhar quando tocaram a campainha. Como eu ainda estava de pijama, pedi que me dessem um minutinho para trocar de roupa. Subi correndo para o quarto, coloquei camiseta e bermuda, peguei meu cigarro e voltei para a frente de casa.
Eram duas mulheres, uma mais velha e outra menina de uns 19 anos. Então, a mulher mais velha começou a perguntar o que eu achava que seria o mundo daqui uns 10 anos. Disse a ela que eu vejo a sociedade de 10 anos depois praticamente da mesma maneira que a de hoje, pelo fato de os problemas sociais não serem resolvidos como tem que ser. A base para uma boa sociedade é educação e oportunidades, e, se isso não acontece porque os governantes são os mesmos e porque haverá pessoas de bem e mal na mesma proporção de hoje. Mas, para apimentar um pouco a conversa, disse “espero que daqui a 10 anos haja menos religião no mundo”.
Nesta hora, a mulher começou a divagar sobre algumas coisas, como por que as rosas são como são, por que o céu é azul, por que os bebês nascem. Então eu comecei a explicar algumas coisas sobre religião e ciência. Falei para ela que religião, aqui no Brasil, é um traço cultural, pois não somos uma teocracia. Então falei brevemente sobre a criação das religiões, por que as pessoas inventam deuses e pulei bastante no tempo até chegar na parte do conhecimento científico. Para que ficasse mais fácil para ela entender, tracei um paralelo na sociedade à época da Inquisição. Como a igreja católica era uma instituição dominante, ela detinha o conhecimento – que, àquela época, julgava-se que conhecimento religioso era conhecimento produtivo, hoje é apenas conhecimento cultural. Até o final da Inquisição, a ciência não progrediu em quase nada, já que tudo que se opunha à igreja era apagado, até as pessoas. Bem, com o final da Inquisição e o movimento Iluminista, a ciência deu largos passos, proporcionando o conhecimento que temos até hoje.
Então, ela argumentou que muitas pessoas morrem na internet hoje em dia, e que isso é por causa da evolução tecnológica. Apenas expliquei para ela que a internet no Brasil tem por volta de 15 anos dentro das casas. Portanto, tornou-se uma ferramenta para emboscadas que culminam em assassinatos. Só que a proporção em que isso acontece é ínfima e que a mídia propaga de uma maneira descontrolada porque, na sociedade brasileira, isso ainda é novidade. Falei: “hoje, por volta de 10% da população tem curso superior. A população em universidades é pequena ainda. Por isso, quando acontece um assassinato em uma universidade é algo estrondoso, exatamente porque julgamos improvável que tal coisa aconteça dentro de uma instituição de ensino”.
Com o paralelo da Inquisição, expliquei para ela por que o céu é azul. Disse: “o céu não é azul porque deus quis. Deus não existe. O céu é azul por causa da refração da luz sobre as gotículas de água presentes no ar. Não tem deus nisso”. Foi aí que a mulher começou a ficar confusa. Disse: “hoje as pessoas têm o direito de escolher como pensam. É por isso que você veio bater em minha porta fazendo proselitismo religioso e eu estou devolvendo em ateísmo. Estamos tendo uma conversa saudável aqui. Só estou mostrando para você como eu vejo o mundo. Você perguntou para mim o que eu acho errado nas sociedades hoje, e eu te digo. Eu acho muito errado as pessoas usarem a religião como um meio de vida bloqueando o avanço intelectual dentro de um país em que religião é só cultura. Por que a sua amiga aqui, que é bem mais jovem que nós dois, poderia estar numa escola ou numa faculdade a essa hora da manhã”.
A mulher disse que eu sou uma pessoa muito inteligente e respeitosa. Eu disse a ela que não sei se ela teve sorte ou azar de ter topado comigo nesta manhã. Ela me ofereceu uma revistinha cuja matéria de capa é sobre o avanço do ateísmo no mundo. Eu disse: “o ateísmo avança no mundo porque o conhecimento se expande muito agora. Quem abandona uma religião o faz por decepção ou porque ela não provém tudo que esta pessoa exige para suprir suas necessidades intelectuais”.
Ela me agradeceu pela atenção e foi embora com uma interrogação de 30 metros de altura enfeitada como uma pichorra. E minha mãe não se conforma de eu ter trocado de roupa para conversar com as duas. Mas eu achei ótimo.
Por Luiz Guilherme Amaral.
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