Estranhos fósseis oriundos do Gabão, na África Ocidental, podem acabar com a pasmaceira biológica que parecia reinar na Terra até uns 600 milhões de anos atrás.
Essa era a data mais aceita para a origem da vida complexa, com muitas células, mas os tais fósseis têm 2,1 bilhões de anos e, segundo seus descobridores, representam seres multicelulares, como os animais e plantas tão comuns no planeta hoje.
A proposta, que se baseia numa análise química detalhada dos supostos cacos de seres vivos do Gabão, está na edição de hoje da prestigiosa revista científica "Nature".
O trabalho é assinado por Abderrazak El Albani, da Universidade de Poitiers (França), e Stefan Bengtson, do Museu Sueco de História Natural, entre outros membros da equipe internacional.
O primeiro passo do grupo foi mostrar que as estruturas, medindo no máximo uns poucos centímetros e com aparência que lembra vagamente flores ou corais, eram mesmo de origem biológica.
Tarefa relativamente fácil, já que a vida tem um gosto bem específico para átomos de carbono. Conforme se desenvolvem, os seres vivos absorvem preferencialmente uma forma desse elemento; portanto, estruturas com proporção elevada desse tipo de carbono quase certamente derivam de criaturas vivas.
MOLÉCULAS COMPLEXAS
"Outro argumento importante que eles usam é a presença de esteranos, substâncias que são uma forma alterada de moléculas que hoje só existem em eucariontes [formas de vida com células complexas] ", explica Thomas Rich Fairchild, pesquisador do Instituto de Geociências da USP, que comentou o estudo para a Folha.
É verdade, no entanto, que existem muitos eucariontes de uma célula só. Embora o homem pertença a essa categoria, os parasitas da malária e as amebas também são eucariontes, embora sejam unicelulares. Por isso, o argumento final da equipe tem a ver com a forma dos fósseis.
Após fazer uma tomografia dos restos, eles constataram uma estrutura complexa, radial (ou seja, em forma de raio), vagamente parecida com o que se vê numa estrela-do-mar ou anêmona.
A coisa, seja lá o que ela fosse, parece ter crescido lentamente, com a adição de camadas de matéria orgânica nas pontas, como um coral, mas sem rigidez -as "dobrinhas" parecem ter sido moles antes da fossilização.
Os pesquisadores nem se arriscam a especular que tipo de criatura era ou como vivia, mas afirmam que o mais provável é que se tratasse mesmo de um organismo multicelular, talvez formador de colônias -de novo, como os corais dos mares de hoje.
"O trabalho é importante, e os autores têm cacife para propor essa explicação, mas não fico muito satisfeito com alguns dos argumentos", diz Fairchild. Um dos grandes problemas, lembra o pesquisador da USP, é explicar como essa suposta vida multicelular mais antiga estaria relacionada à que veio depois, essa sim bem documentada.
Como quase não há registros no buraco que separa 2,1 bilhões de anos de 600 milhões de anos, pode ser que se trate de um experimento abortado da vida multicelular, um ensaio que não vingou. Assim, as criaturas do Gabão não seriam ancestrais de nenhum ser vivo de hoje.
E não dá para descartar a possibilidade de que sejam grupos de seres unicelulares.
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