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sábado, 28 de julho de 2012

SINTOMAS DE “TCHÚ” E RAZÕES DE “TCHÁ”

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Madrugada de terça pra quarta. Santo Ângelo. RS. Brasil. Universo conhecido. Via-Láctea. Sistema Solar. Planeta Terra. Meu quarto. Leio “Por um Direito Comum” de Mireille Delmas-Marty. Busco subsídios pro meu projeto de doutorado. Mente aguçada, aparvalhada em conceitos, rabisco anotações que não entendo – mas que decifro por uma compreensão misteriosa que me acossa quando me ponho a escrever. Um carro derrapa na rua. Na seqüência, tremem os vidros da janela. Ouço uma música. “Eu quero tchú / eu quero tchá / eu quero tchú / tchú, tchú / tchú, tchá”. De início, não entendo aquilo. Entro em transe. Vogais me alucinam. Consoantes me confundem. Sussurro pra esquecer: “fake / fake / fake”. Mas o barulho de uma garrafa espatifando no asfalto me acorda dessa vibe xamanística. E penso: “que coisa é essa?!”.



Então lembro Mario de Andrade, Ezra Pound, James Joyce, Antonin Artaud e outros tantos autores que se utilizaram de sons absolutamente sem nexo para expressarem sua estética. Procuro, em razão de uma absoluta vontade que trago de não ser de modo algum preconceituoso, encontrar o “eu lírico” do sujeito que compôs a canção. Largo o refrão no Google. Descubro que os compositores são João Lucas e Marcelo. E mais: inclusive o Neymar (aquele galizé do Santos) faz uma participação na música. Leio o restante da letra. Fala em “biritar”, em “balada”, em “dança sensual” e troços do gênero. A visão que me instiga traduz cowboys do interior de SP mesclada com funkeiros do Rio. Mas o que me intriga é o refrão. O que significa “tchú / tchú / tchú / tchá”?

Após largar de canto Delmas-Marty, ponho-me a traçar uma exegese apurada acerca da letra do “tchú / tchá”. Mas canso. Mas me irrito. Então vejo que Zygmunt Bauman me acena da estante com seu “Amor Líquido”. Reflito: “cara mais chato esse Bauman! Tudo líquido! Tudo cachaça! Tudo cerveja!”. Nesse momento é que no Facebook, uma amiga me envia um link. Do YouTube. Abro a janelinha do Chrome. Ponho os fones. Vejo os artistas: “Valesca Popozuda e MC Catra”. (As mãos suam. Algum temor me encarna.) Nome da composição? “Mama”. Diz a descrição que se trata de um “pagode clássico”. Embora não tenha a menor idéia do que isso significa (recordo de SPC, Fundo de Quintal, Revelação e coisas tais), dou play. Nesse instante, minha análise sócio-cultural das produções artísticas contemporâneas de cunho popular ganha novo norte.

Razões? Vejo críticas e mais críticas direcionadas à Valesca e ao Catra. Vejo pessoas e mais pessoas dizendo que aquilo não é música. Mas falo comigo, batendo na mesa e tomando um largo gole de café: “que coisa é essa?!”. Raciocinem. Roberto Carlos canta (em “Cavalgada”) algo assim: “(…) Vou me agarrar nos seus cabelos / Pra não cair do seu galope / Vou atender aos seus apelos / Antes que o dia nos sufoque”. Todo mundo acha lindo. Romântico. Sparks. Mas falam mal da Valesca e do Catra pela canção “Mama” (cuja letra considero melhor não transcrever – parental advisory: explicit content). Qual o pecado?! O que tais seres fizeram, foi apenas explicitar o conteúdo subliminar de quase toda música que se diz “romântica”. Levando as coisas ao grau extremo (bem extremo!), talvez sejam, futuramente, mesmo tidos como Marcel Duchamp – aquele artista francês que tascou um mictório num museu e chamou de “La Fontaine” (isso em 1917).

No frigir dos ovos, somos todos farinha do mesmo saco, movidos pelo sexo e pelo estômago. Se algo existe entre um e outro, não sei (mas acho possível). Mesmo assim, decido: escreverei um ensaio chamado “Elogio do Funk” (mesmo que “Mama” seja um “pagode clássico”), no qual dissertarei sobre o fato das pessoas ouvirem música com os ossos e não com os ouvidos (razão pela qual existem tantos sons automotivos turbinados por aí). Problema? Não. O único problema é o purismo. Arte virgem não é arte. Quanto mais “depravada” (para os conservadores e para o “bom gosto”) a produção cultural de uma sociedade, mais saudável é essa sociedade. Mas aí é que me vem à mente o seguinte: por que me senti tão “revoltado” (ui, ui, ui) quando ouvi o “tchú / tchá” seguido dos estilhaços de garrafa (ceva, presumo) na frente da minha casa? O motivo é óbvio e implica em uma decisão: para afastar sintomas de “tchú” e razões de “tchá”, de agora em diante apenas estudarei com algodões nos ouvidos.

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