Dirijo-me, portanto, aos colegas (“amigos”, parentes) que acham tudo isso normal. Não há meio-termo. O apoio - mais ou menos estridente - a esses jovens implica perfilar-se do lado da Casa Grande. Do lado de séculos de assassinatos de negros. Em 2010, morreram assassinados 33.264 negros. Brancos? 13.668. A morte de negros por homicídio subiu 23,4% em oito anos. Estão rindo de quê, defensores de Hamachi, Rabin e Gentili?
A Senzala é também o espaço do achincalhamento de gays, mulheres e portadores de deficiência – para citar apenas os grupos mencionados no último “show” em São Paulo. No caso dos gays temos mais uma matança de escala nacional. Entre 2007 e 2010 o número de gays assassinados saltou de 142 para 260. Em pelo menos 76 países, ser gay é considerado crime. No Brasil, mata-se. Estão rindo de quê, homofóbicos? Do extermínio e da humilhação de seres humanos por sua orientação sexual e identidade de gênero?
E, por falar em gênero, vivemos hoje em um país que tem uma lei chamada Maria da Penha. Diariamente mulheres são vítimas de estupros, constrangimentos (como homens que se masturbam perto delas), entre outras violências. Danilo Gentili, Fábio Rabin, Felipe Hamachi e outros desqualificados (como Rafinha Bastos) insistem em promover o machismo e o sexismo. Não estão sozinhos, como se vê nas propagandas de cerveja. Mas... eles estão rindo de quê?
Cada piadinha contra negros é uma chibatada. As pessoas no teatro ou no sofá contribuem diretamente para a afirmação de uma cultura que exclui essas pessoas (negros, gays, mulheres) do campo da normalidade. E, portanto, a uma distância muito mais próxima do que imaginam, apertam o gatilho de policiais que matam negros nas periferias, chutam a cabeça de homossexuais (apenas por serem afeminados) em todo o país, incendeiam o combustível de quem vê mulheres apenas como objetos – estupráveis. E, sim, fazem tudo isso com suas risadinhas. Com seu aval a essa cultura da morte e da exclusão dos diferentes.
Para assistirem ao show de humor chamado Proibidão, cada engraçadinho assina um termo no qual se compromete a “não ficar ofendido”. É incrível pensar como pessoas com alguma formação possam participar de tamanha aberração. Seja promovendo esses documentos estapafúrdios, seja assinando-os. Esses brasileiros estão imaginando uma espécie de território “livre” nesses momentos: um país e um mundo sem racismo, sem violências, sem leis. Sem respeito por seres humanos que portam deficiências físicas ou mentais, por seus parentes. Sem respeito por seres humanos.
Chegamos assim ao sonho de todo racista ou homofóbico (e são apenas alguns exemplos) enrustido: achar uns patifezinhos – de precária formação intelectual - que disfarcem seu cinismo sob o rótulo de “humor”. E tomar – mais ou menos ingenuamente - partido do lado dos ratos. Aumentei a temperatura das palavras ao longo do texto exatamente porque cansei de meias palavras. Em relação a esses temas (bastante elementares para definirmos qualquer Cidadania Mínima), cada um desses brasileiros é cúmplice.
Que cada um deles rasgue suas máscaras.
Um comentário:
É muita cara-de-pau dizer que piadas são inócuas, que não surtem efeito na população. A comparação do negro com o macaco, por exemplo, nao é só uma piada, mas também foi - e ainda é - uma maneira de legitimar a idéia torpe de 'hierarquia racial'. Essas 'piadas' (principalmente, quando repetidas à revelia por SÉCULOS) também são feramentas de opressão, de manutenção do status quo. Ou seja, essa liberdade que os comediantes da 'era standup' tanto evocam, é, sem rodeios, a liberdade de serem racistas.
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