ANTONIO PRATA - Twitter, Facebook e o Apocalipse
Vamos admitir: desde que inventaram o Facebook e o Twitter que ninguém mais trabalha, só finge
AS COISAS não vão nada bem no hemisfério Norte. A Grécia foi pra cucuia, Portugal e Espanha estão no vinagre, e, na Irlanda, os únicos habitantes que fizeram alguns caraminguás em 2011 foram os quatro integrantes do U2. Até os EUA, quem diria, ameaçaram dar um calote global, o que levou a agência Standard & Poor's a divulgar que a grande potência está mais pra "poor" do que pra "standard".
Diante dos abalos econômicos e da ameaça de recessão mundial, acusam-se os suspeitos de sempre: a esquerda vê o fim do capitalismo, a direita vocifera contra a ineficiência do Estado. Eu, contudo, cronista independente, sem outro compromisso senão com a verdade -e com minha pequena, claro-, sei que a culpa não é dos negociantes nem dos políticos: a culpa, meus caros, é das mídias sociais.
Vamos admitir: desde que inventaram o Facebook e o Twitter que ninguém mais trabalha, só finge -uma hora, ia dar problema. Se o hemisfério Norte quebrou antes de nós é porque se enredou primeiro nessas arapucas do Demônio, mas não demorará para nos estrumbicarmos também: afinal, o dia-padrão de um trabalhador brasileiro não é tão diferente do de um americano ou europeu.
Vejamos: você chega ao trabalho, senta-se diante do computador e, antes de começar suas tarefas, resolve dar uma checada rápida na "homepage". A "home" traz uma fofoca sobre o comportamento sexual de uma cantora pop, e você imediatamente pensa numa bobagem para tuitar. Abre o Twitter, escreve.
Passa então a clicar, de dez em dez segundos, no "your tweets retweeted" -como um ratinho de laboratório, acionando a barra de glicose-, pra ver se gostaram da sua piada. Infelizmente, em 15 minutos, só um retuíte. Você decide preencher a carência que subitamente lhe bateu indo até o Facebook: vai que alguém lhe deixou um recado, na madrugada? Nada, ninguém quis lhe dizer coisa alguma nas últimas 12 horas.
Você descobre, contudo, que a Juliana Pereira, sua ex-colega de ginásio, postou as fotos do feriado, na praia.
Você se lembra dessa Juliana, era bonita, e quando dá por si está há uns três minutos vasculhando as imagens da moça, na esperança algo adolescente, algo senil, de vê-la de biquíni. Não achando nada além de filhinhos sorridentes e uma ou outra foto artística de conchas, com efeitos gráficos do iPhone, decreta que é, enfim, hora de começar a trabalhar. Mas, já que ficou tanto tempo no Facebook, por que não dar só uma passadinha no Twitter, ver se, nesse meio tempo, alguém te retuitou, ou comentou seu tuíte? Nada, ainda, mas um amigo colocou um link para uma propaganda belga de cerveja, muito engraçada. Quando vai ver, já está na hora do almoço, e o dia nem começou.
Agora, caro leitor, some todo o tempo que você tem perdido nessas inúteis perambulações virtuais ao tempo de todos os outros milhões de internautas, calcule o prejuízo em dólares, euros ou reais, e o resultado é uma bela recessão global. Reajamos enquanto é tempo: ou a gente acaba com as mídias sociais, ou as mídias sociais acabam com a gente!
PS- Meu amor, a história da Juliana Pereira é meramente ilustrativa, real apenas no terreno da ficção. Espero que compreenda.
MARCELO COELHO - Curti (não curti) isso
No Facebook, você se torna ao mesmo tempo a celebridade, o consumidor e o anunciante do produto
Ficar nesse frio debaixo do cobertor... Que delíííciaaa... Receita de bolo de cenoura. Curti isso. Mais uma foto do meu yorkshire Léo. Ele não é fofinho?
Clico para ver a foto (estou no Facebook, é claro). Há outras 20 fotos praticamente iguais: o cachorro em cima da almofada, o cachorro de lado no ladrilho, o cachorro de frente no sofá.
Depois de alguma resistência, deixei o velho Orkut e entrei no Facebook. É melhor, dizem. Entretanto tenho saudades do antigo site de relacionamento. Seu ar parado, suas cores gastas, seu mobiliário visual, tudo agora me lembra uma estação de trem centro-europeia, os croissants meio murchos na sua confeitaria de madeira e vidro, patinada de esperas e carvão.
Perto do Orkut -seus entroncamentos, seus guichês-, o Facebook é um aeroporto superlotado, onde avisos inúteis se repetem pelos alto-falantes e onde me sinto invariavelmente perdido. Nem a mais demente produção de spams na minha caixa de e-mail equivale à atividade que me chega pelo Facebook. Fico até aflito de ver pessoas postando de 15 em 15 minutos, durante toda a extensão do dia. A falta de fazer nunca deu tanto trabalho.
Peço desculpas aos amigos (tanto os que conheço quanto os que não conheço). Mas estou bloqueando muita gente. Faço exceção a alguns que se especializaram em mandar links. Uma notícia, um clipe, um filme: aí o Facebook cumpre a função, acho, de repercutir alguma coisa, de servir como atalho a algum outro meio de informação.
Mas chega de rabugice. No fim, mesmo os posts mais banais são boas notícias. As pessoas estão bem, estão vivas e parecem, numa média impressionante, bastante felizes.
Como tantos outros meios de comunicação, e o celular é o maior exemplo, o Facebook não funciona apenas, nem funciona a maior parte do tempo, para "comunicar" algum conteúdo. Sua função é dar sinais -sinais de existência. Aquilo que os especialistas chamam de "função fática" ("Você está aí?", "Você está me ouvindo?", "Oi! E aí?") preenche muito do que se transmite no Facebook.
Há uns 20 anos mais ou menos, escrevi na Ilustrada que, uma vez resolvido o problema da distribuição de riquezas, a grande desigualdade nas economias desenvolvidas parecia ser a da fama.
Muito poucos possuem toda a fama, enquanto a maioria sobrevive no anonimato. O Facebook resolve, aparentemente, essa injustiça. Qualquer pessoa, mesmo que não se torne uma celebridade no número de acessos e de amigos, pode ser tão banal como uma estrela pop. Fala de suas preferências, de sua rotina, da roupa que comprou, das marcas que prefere...
E aos poucos vai caindo a ficha, para mim, sobre a utilidade do Facebook. Entre as ferramentas do Facebook, existe aquela do polegar para cima, o "curti". Reparei que não existe, entretanto, a ferramenta oposta. O "não curti", que sem dúvida eu empregaria com relativa frequência, não está previsto.
Talvez seja melhor assim: muita briga se evita com essa omissão. Mas o ponto é importante. Curtir alguma coisa, com o polegar para cima, é algo que pertence ao repertório da publicidade. Cada vez que eu for a um restaurante, comprar determinado xampu, assistir a determinado filme, posso ir ao Facebook (se é que saí dele) e marcar com o dedão meu apoio ao tal produto.
Inventou-se, com isso, uma máquina irresistível. Com o YouTube, você produz, em tese, o conteúdo (cômico, trágico ou tolo) que na TV profissionais bem pagos se esfalfam para inventar.
Com o Facebook, você se encarrega da outra ponta do processo: além do conteúdo, você produz também o anúncio, aquilo que os publicitários quebram a cabeça para criar.
Você se torna ao mesmo tempo a celebridade, o consumidor e o anunciante. Minha paranoia se acelera. E se, no meio daqueles "amigos" que não conheço, existir algum testa de ferro, algum laranja de uma agência de publicidade ou de uma grande empresa, fazendo-me consumir o que não desejo?
A paranoia se dissipa: não, é conspiratório demais. Não há testas de ferro. Em seguida, a paranoia renasce com mais força: mas não estamos, todos nós, sendo testas de ferro, laranjas a serviço daquela coisa?
Bem que poderiam pagar para os membros mais produtivos do Facebook. Mas aí perderia a graça.
2 comentários:
Cara, isso faz mt sentido...
Mas vou guardar na minha gaveta de teorias conspiratórias...
Mais uma vez, parabéns pelo blog!
De fato, isso é verídico.
As pessoas perderam a capacidade de enchergar a realidade, digo, a realidade mesmo.
Mas, esse é p papel das mídias não ?
Problema é de quem seja burro e ignorante, e que sofra concientemente.
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