Refutação a um texto reacionário, curto e mentiroso, sobre programas sociais e outras concessões do governo:
Fonte
"Tenho visto circularem aqui no Face algumas mensagens terrivelmente equivocadas. De um modo geral, elas são bastante apelativas, o que talvez justifique a facilidade com que proliferam. Num primeiro momento, eu optei por simplesmente ignorá-las, mas como tem se intensificado a freqüência com que elas chegam até mim, preferi preparar uma resposta e compartilhá-la. A discussão a respeito desses temas de grande complexidade deve abrigar a polêmica. Abordá-los de maneira autoritária é uma estratégia para inviabilizar a polissemia e impor uma opinião unilateral a respeito do que esteja em questão, desconsiderando as possibilidades alternativas de interpretação e prejudicando outras leituras e conclusões. Isso reduz o espaço para o debate.
Já que esse canal das redes sociais tem sido usado por aqueles que querem disseminar impropriedades, é legítimo e democrático que o utilizemos também para responder a essas impropriedades com argumentos que nos pareçam mais corretos. A princípio, eu iria desenvolver de uma única vez todos os tópicos que eu pretendo abordar. Mas percebi que isso tornaria o texto muito longo. Por essa razão, optei por uma abordagem em separado, e, dessa forma, irei compartilhando os textos aos poucos, à medida que eu for tratando de cada uma das questões que pretendo levantar. A começar por este, sobre o Auxílio-reclusão, que vem sendo tão mal-falado sem nenhuma razão.
Com tudo isso, eu pretendo apenas oferecer um contraponto a essas idéias mistificadoras que vêm se espalhando. Não vou apresentar nenhuma verdade suprema: aquilo que eu disser pode e deve ser acrescido de outros dados, ser contestado, confrontado etc. Antes de qualquer coisa, eu quero aprender mais também. Quem se interessar, esteja convidado a acrescentar informações a respeito desses temas no espaço dos comentários.
Quero convidar também as pessoas que costumam replicar essas mensagens suspeitas a buscarem informação antes de espalhar inverdades na rede. É preciso romper com a preguiça. Chequem os dados. Vamos combater a desinformação! Acho que esta é uma maneira de praticarmos algo a que talvez se possa dar o nome de “cidadania em ambiente virtual”.
AUXÍLIO RECLUSÃO
CONCEITO: o Auxílio-reclusão é um benefício previdenciário instituído por lei desde 1960. Esse benefício abrange apenas os segurados da Previdência Social, isto é, apenas aqueles que recolhem contribuição para a Previdência. O Auxílio-reclusão é concedido nos casos em que o segurado, em decorrência do cometimento de algum ilícito penal, é recolhido a uma unidade penitenciária para cumprir pena de privação de liberdade. O benefício só abrange presos que recebiam, em liberdade, salários de ATÉ R$ 915,05.
PRECONCEITOS: Uma das críticas mais absurdamente infundadas ao Auxílio-reclusão vem acompanhada de um desenho que ilustra alguns detentos dentro de uma cela limpinha e espaçosa. Enquanto um deles conta dinheiro e um outro acende um cigarro, aquele que se encontra preguiçosamente deitado numa rede comenta: “lá fora trabalha-se muito e ganha-se nada, enquanto na prisão ninguém trabalha nada e todos ganham muito”. Embaixo da imagem, lemos o seguinte texto: “no país em que ‘bolsa-bandido’ é maior do que o salário mínimo (R$ 915,05)”. Outra mensagem contra o Auxílio-reclusão que é bastante compartilhada traz um texto que, além do próprio Auxílio-reclusão, condena numa só tacada o Bolsa Família, os incentivos ao planejamento familiar, e a prevenção ao contágio por DSTs e à gravidez indesejada. O texto diz: “vai transar? O governo dá camisinha. Já transou? O governo dá pílula do dia seguinte. Teve filho? O governo dá bolsa família. Resolveu virar bandido e foi preso? O Governo dá auxílio reclusão. Todo presidiário com filhos tem direito a uma bolsa de R$ 915,05 ‘por filho’. Agora experimente estudar e andar na linha para ver o que te acontece. Salário mínimo de R$ 622,00. Se você é brasileiro, passe adiante.
Resposta às mensagens.
Se o autor do desenho que pinta os presídios brasileiros como lugares tão aprazíveis tem mesmo essa opinião, por que então ele não experimenta passar uma temporada num presídio? Que tal um veraneio em Bangu? Essa visão denota um completo desconhecimento da realidade carcerária brasileira. Além disso, é um desrespeito ao sofrimento daqueles que se encontram submetidos muitas vezes a condições desumanas, em celas insalubres, sujas, superlotadas, superquentes, mal-arejadas, etc. Insisto: se a intenção do autor do texto e da imagem é construir a idéia equivocada de que a vida de um detento é melhor do que a de um trabalhador, por que então ele não renuncia à sua liberdade e ao seu trabalho e vai encarar a prisão?
O segundo texto é um despautério só. O governo dá camisinha sim! Inclusive femininas, que já são distribuídas pelo SUS. http://www.blog.saude.gov.br/camisinhas-femininas-comecam-a-ser-distribuidas-em-todo-pais/ Esta é uma medida, antes de tudo, educativa. Será que seria melhor o descontrole absoluto da natalidade e a não-prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, inclusive a AIDS?
O governo distribui gratuitamente pílulas do dia seguinte sim! http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=33886 O que seria melhor? Que as mulheres que engravidaram indesejadamente recorressem a abortos clandestinos nos “açougues” de fundo de quintal espalhados por aí? E que depois viessem tratar as seqüelas e infecções na rede pública de saúde? Isso seria mais racional? Seria mais econômico?
O governo concede bolsa família sim! E esse é o mais espetacular programa de transferência de renda e de correção das distorções sociais já implementado no Brasil. O Bolsa família, além de todos os seus benefícios (melhora dos níveis nutricionais das crianças, melhora do aproveitamento escolar, etc.) ainda promove uma intensificação da atividade econômica. Uma vez que famílias de baixa renda não podem se dar ao luxo de poupar dinheiro, elas empregam todo o valor da Bolsa que recebem nas suas compras mensais. Isso faz com que cada centavo que o governo “gasta” com o programa seja colocado em circulação. Em outras palavras: o Bolsa Família intensifica a circulação de bens e serviços, o que resulta na ampliação de recolhimento tributário, fazendo voltar para os cofres públicos muito mais do que o que é empregado no benefício às famílias. Em resumo, todo mundo ganha com o Bolsa Família, até os que não recebem diretamente seus repasses.
O governo concede Auxílio-reclusão sim! Ou seria melhor que os filhos de um detento se vissem sem nenhuma assistência que lhes assegurasse a possibilidade de sobreviverem no período de ausência do pai? Ou então que recorressem ao crime como meio de se manterem? Se quem cometeu um erro foi o pai, quem tem de ser punido é ele. Seria justo condenar ao desamparo os dependentes daquele que se acha recolhido ao cárcere? Além da pena de privação de liberdade imposta ao pai, seria justo penalizar seus dependentes que não têm nada a ver com o erro cometido? Mas vamos começar do começo. O texto da mensagem mentirosa fala em “resolver” virar bandido. Como se virar bandido partisse de uma resolução pessoal: hoje eu acordei decidido a virar bandido, essa é a minha escolha a partir de hoje. Faça-me o favor! Depois fala que o governo dá auxílio-reclusão. Sim, mas não é o governo especificamente: é o Estado brasileiro. O auxílio-reclusão já existe desde a Lei Orgânica da Previdência Social, que data de agosto de 1960. Está lá. Artigo 43.http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1960/3807.htm Portanto, é um benefício que já existe há meio século. Por que somente agora as pessoas começaram a implicar com ele? Mas a mentira mais apelativa é dizer que o benefício de R$ 915,05 é concedido “por filho”. Primeiramente, só fazem jus ao Auxílio-reclusão aqueles detentos que são segurados da Previdência Social, isto é, que contribuem com a Previdência. Em segundo lugar, o valor do benefício não é de R$ 915,05 por filho. R$915,05 nem é um valor fixo. Esse é o limite máximo que uma família pode receber, pela simples razão de que, na verdade, o Auxílio-reclusão é concedido com base no salário-de-contribuição que o detento recebia enquanto estava livre e trabalhando. Esse benefício, portanto, só é destinado aos dependentes daqueles detentos que recebiam um salário igual ou inferior a R$ 915,05. E somente na hipótese de o detento ser contribuinte da Previdência Social. Porque, se não for, não há Auxílio-reclusão.
Mais informações em http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22
Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm
Decreto 3.048, de 06 de maio de 1999 http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1999/3048.htm
Portaria Interministerial MPS/MF nº 02, de 06 de janeiro de 2012 http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MF-MPS/2012/2.htm
Agora se você “experimentar estudar”, assim como sugere a mensagem mentirosa, você constatará que o mesmo governo que concede Bolsa-família e o Auxílio-reclusão, e que distribui gratuitamente camisinhas e pílulas do dia seguinte em postos de saúde do SUS, também oferece oportunidades como o Prouni (http://blog.planalto.gov.br/prouni-ja-concedeu-1-milhao-de-bolsas-de-estudo-em-universidades-particulares/ ), o ENEM, o REUNI, os IFETs, o Programa Ciência Sem Fronteira (http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/o-programa ), etc. Experimente mesmo. Você não irá se arrepender.
Para encerrar num tom diferente do da mensagem, proponho que “se você é brasileiro”, ao invés de “passar adiante” qualquer porcaria que lhe chega pela internet, procure se informar antes. Conheça seu país. Você verá que ele é muito melhor do que os derrotistas costumam propalar."
Nenhum comentário:
Postar um comentário