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sexta-feira, 28 de junho de 2013
Classe-média raivosa odeia pobre e não quer que ele vote!
A foto foi parar nas redes sociais e criticada por causa de uma das três reivindicações no cartaz: “Recebe Bolsa Família? Sem direito à voto” [sic].
A ideia (ao que tudo indica) parece ser que se você está recebendo auxílio do governo, você pode tornar-se massa de manobra facilmente influenciada pelo governo de plantão. Logo, não poderia votar.
Essa, aliás, é mais ou menos a mesma razão pela qual os conscritos ainda não podem votar.
Levando essa proposta às suas últimas consequências, deveríamos também excluir outros grupos do processo democrático. Por exemplo, todo universitário estudando em uma universidade pública deveria ser excluído. Afinal, dependem do governo para estudarem. Aposentados também deveriam ser excluídos porque estão recebendo dinheiro do governo. E quem dirá de qualquer pessoa que já recebeu vacina contra pólio? E dono de empreiteira que tenha contrato com governo deveria estar automaticamente fora. Por via das dúvidas, deveríamos também excluir seus trabalhadores pois seus salários são pagos pela empreiteira. Pacientes do SUS também recebem assistência médica gratuita e por isso não poderiam votar. Qualquer pessoa que tenha se beneficiado de policiamento nas ruas ou que algum dia tenha parado no sinal de trânsito ou mesmo usado uma rua asfaltada ou iluminada também seria suspeito de ser massa de manobra. Afinal, usou um serviço público gratuito.
A lista é grande e basicamente todos nós apareceríamos em algum lugar nela. Em uma sociedade, estamos corriqueiramente interagindo com o governo, e em muitos momentos o governo paga por algum serviço que utilizamos quase sem notarmos. Muitas vezes ele nos financia diretamente; outras vezes, indiretamente.
O resumo da ópera é que, primeiro, não há serviço público gratuito. Todos pagamos por eles de uma forma ou de outra. E, segundo, não há como dizermos que não nos beneficiamos de algum serviço do (ou pagamento feito pelo) Estado, simplesmente porque vivemos em uma sociedade.
Mas isso não quer dizer que o protesto não levante questões importantes para nossa democracia.
Uma vez a cada dois anos somos chamados a votar. E esse é um momento no qual todos temos o mesmo poder de voto. Seja branco, seja negro; seja homem, seja mulher; seja analfabeto, seja doutor; seja pobre, seja rico. Um voto por eleitor. É o único momento no qual, embora não sejamos iguais, temos exatamente o mesmo poder.
Excluir qualquer grupo fere nossas noções básicas de justiça. Tente imaginar o sentimento se voltássemos à década de 1920, quando apenas homens podiam votar? Ou se reinstituíssemos o voto censitário (aquele no qual apenas pessoas com patrimônio ou renda acima de um determinado valor podem votar)? Ou se excluíssemos todos os negros, como acontecia durante a escravatura?
Soa estranho, não?
Mas ainda assim fazemos isso todos os dias, sem notar.
Não são apenas os conscritos mencionados acima que são excluídos. Loucos também o são. Condenados presos também não votam. E pense nos milhares de estrangeiros que trabalham e pagam seus impostos no Brasil, respeitam as leis brasileira, contribuem para com nossa economia e cultura (e muitas vezes têm famílias brasileiras) mas, como não são brasileiros, não podem escolher quem faz as leis que os afetam?
A decisão sobre quem está apto a votar ou não é algo que muda com o tempo. Pode parecer absurdo para as gerações futuras que hoje aceitemos a ideia de excluirmos parcelas de nossa população, assim como hoje achamos estranho que alguém possa querer reinstituir o voto censitário.
Mas existe um segundo debate importante aqui. E ainda mais delicado.
Nos acostumamos com a noção de democracia. Mas, de todos os sistemas já tentados, a democracia é o mais novo. Durante a história humana, passamos a maior parte do tempo sob ditaduras, teocracias etc. As democracias modernas não têm mais de cem ou duzentos anos, se tanto. Talvez tenham nascido no fim da década de 1960.
E, como tal, democracia não é algo pronto e acabado. Ela é ainda um sistema em formação. Estamos aprendendo a ser democratas na prática e na marra. Daí protestos como o acima que aparecem vez por outra.
Uma das poucas coisas que todas as democracias modernas têm em comum é que cada eleitor tem um voto. Para uma parcela da sociedade chegar ao poder por meios democráticos, basta ter mais gente. Mas isso gera questões importantes e para as quais ainda não temos soluções definitivas.
O que acontece, por exemplo, se um segmento da sociedade começar a ter uma taxa de natalidade maior, seja por questões religiosas, financeiras, geográficas ou o que seja? Afinal, com o tempo passarão a ter mais votos.
Se um segmento que tenha uma taxa de natalidade maior for a favor de restringir ou mesmo abolir a democracia, deveríamos excluí-los do processo democrático simplesmente porque suas opções ou condições pessoais fazem com que seu grupo tenha mais votos? Ou deveríamos aceitar o fato de que democracia é de fato o governo da maioria e, se a maioria quiser acabar com a democracia, ela deve ter tal direito? Ou seria mais justo estabelecermos um número máximo de representantes que podem ter (ou, alternativamente, um número mínimo que as minorias deve ter), independente de quão insignificante seja tal minoria ou de quão prevalescente seja tal maioria?
Se isso pode parecer muito abstrato, pense no que acontece nas eleições para Câmara: há um número máximo de representantes por Estado (70), e um número mínimo (8), justamente para não se permitir que um Estado como São Paulo consiga se impor ao resto do país, ou um Estado como Roraima desapareça do mapa político.
Ou pense nas dezenas de manchetes que você já viu dizendo que algum lobista influenciou um parlamentar a aprovar algo que beneficia uma minoria, em detrimento da maioria.
Todas essas questões têm um mesmo ponto em comum: ainda não achamos uma fórmula ideal que respeite a vontade da maioria sem desrespeitar os direitos das minorias.
Novamente: democracia não é um prédio pronto. É um canteiro de obras em constante construção.
Para entender direito
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