Por Pedro Doria
Há, nas entranhas do WhatsApp, um outro Brasil. Nele, uma quantidade
imensa de pessoas vive uma realidade paralela. Passei a última semana
me dividindo entre, ao fim, seis grupos distintos de mensagens. Estes
“grupos de notícias” informam aquilo que a imprensa “não tem coragem” de
contar. Para o observador atento, os grupos revelam dois processos
paralelos. Um deles é uma estrutura de marketing político de guerrilha
em formação, fazendo um jogo sujíssimo. O outro é um novo tipo de
brasileiro, despolitizado e, no entanto, engajado, tentando compreender a
confusa realidade à volta, com as poucas ferramentas de que dispõe.
Grupos no WhatsApp têm um limite de tamanho: 256 usuários. E os
convites podem ser distribuídos por links. Clique na tela do celular,
entre no grupo. Estas são informações chaves para compreender a dinâmica
de como funcionam. Os links para entrar nos grupos de notícias vão
circulando de zap em zap, do grupo de família para o do serviço.
Quem entra é abastecido com centenas de mensagens por dia. São vídeos,
áudios e imagens, quase nunca texto. Muitos memes — montagens de fotos
críticas ao governo. Os vídeos e os áudios carregam um sentido de
urgência. De que é preciso encaminhar, que a notícia tem de alcançar a
maior quantidade de pessoas possível. Rápido. Sempre notícias falsas.
Durante o estirão final da greve dos caminhoneiros, as mensagens
principais eram três. Primeiro: não confie na imprensa. Depois: a
intervenção militar está para acontecer. Basta um dia a mais de
caminhões parados. Os generais estão decididos. É segurar um pouco mais.
Está chegando. Em terceiro: quem fica na fila de posto de gasolina é
burro. Em memes e vídeos, burros foram imagens constantes. É a gente que
não aguenta o tranco. Os caminhoneiros parados conseguiram baixar o
preço do seu combustível, as cidades precisam ir às ruas, também parar,
mostrar sua fibra. Derrubar o governo é fundamental.
Nada é
acidental ou espontâneo nestes grupos de WhatsApp. Muitos leem, dois ou
três os alimentam com a torrente de posts. E alguém, por trás, passou os
dias produzindo material. De dez em dez minutos, tem alguma coisa nova
para que todos sejam mantidos em alerta. O conjunto oferece uma mensagem
organizada e calculada com um efeito em mente. E, sempre que um grupo
começa a encher, novo link, para um novo grupo, é publicado. Distribuam
para os amigos.
Há uma operação por trás deste processo, gente
especializada construindo a mensagem. O governo, já frágil por deméritos
próprios, sofreu uma tentativa de sabotagem por uma ou mais equipes que
sabiam muito bem o que estavam fazendo. Tentaram aproveitar-se da greve
dos caminhoneiros para provocar um novo 2013 nas cidades. Não
conseguiram.
Mas conseguiram outras coisas. Porque todo mundo que
se inscreve nos grupos deixa duas informações essenciais. A primeira: é
alguém que procurou, que está querendo notícias novas. E, em segundo,
celular com DDD. Ou seja: origem geográfica. A turma do marketing de
guerrilha construiu, na crise, um banco de dados bem fornido de pessoas
crédulas, engajadas, que formarão o marco zero da distribuição de fake
news durante a campanha eleitoral.
Não é o fato de os grupos
serem de extrema-direita que mais impressiona. É sua credulidade. Sua
ingenuidade política. “Os militares já estão chegando em Brasília”,
dizia um áudio. Como se eles precisassem ir para a capital. “O general
Beltrano vai subir a rampa do Senado às 15h”, informava outro. A rampa é
do Planalto. “O deputado Cicrano deu ordens.” Deputados não dão ordens.
As incongruências, as notícias falsas tão vagas, não ligam o alerta de
ninguém.
Mas alimentam uma raiva já existente. Terreno fértil para um demagogo populista.
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