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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A Copa ressuscitou nosso complexo de vira–lata. Freud explica?



O complexo de vira-lata – diagnosticado por Nelson Rodrigues após a derrota do Brasil na Copa de 1950 – é uma doença que espreita nas reentrancias da alma nacional.

Ela vai e volta, ao sabor dos nossos humores ocasionais. Desconfio que estamos mergulhando, a propósito desta Copa, no mais fundo abismo da nossa autoestima. Quer dizer, da falta dela.

Pior talvez do que no pós-Maracanazo.

Leio na pesquisa da CNT que três em quatro brasileiros reprovam os investimentos feitos para a Copa-14. O jeito que eu tenho de ler isso é, digamos, mais pedestre: ¾ dos brasileiros acham que gastar dinheiro com esse evento futebolístico, ainda que com tal exposição internacional, com tamanha repercussão turística e institucional, é um desperdício.

Não fica bem falar bem da Copa. Ficou bacana falar mal dela. As pessoas enchem a boca e vaticinam: “Vai ser um desastre”. Aplaude-se desde já a promessa de muitos protestos.

Vejo por trás disso não a compreensiva racionalidade de quem prefere ver o dinheiro investido em outras áreas mas o pânico pueril, inconsciente, de quem teme que a gente vá fazer feio aos olhos do mundo.

Nós temos é vergonha de nós mesmos. Medo da opinião do outro. Medo do fracasso.

Como se fóssemos um país de incapazes. Como se os estádios corressem o risco de desabar sobre nossas cabeças – e a dos ilustres visitantes. Como se a Copa será fatalmente o atestado público, com o mundo por testemunha, de nossa corrupção, de nossas mazelas, de nossa incompetência.

O brasileiro – a maioria dos brasileiros, diz a pesquisa CNT – se refugiou no consolo prévio e covarde do “mas eu não disse?”

A Alemanha fez a Copa e aí a gente diz, humilhado, de cabeça baixa: “Mas são alemães, né mesmo?”

É, mas o Mexico fez a Copa duas vezes, a Argentina, o Uruguai, a África do Sul. Somos assim tão mais miseráveis do que eles?

Há muito o que fazer no Brasil no que diz respeito às urgências da população. Saúde, educação, segurança, transportes, infraestrutura – a lista é enorme.

Mas a Copa é para ser apenas um momento de prazer – mesmo que, no gramado, a gente venha a perdê-la.

Quer dizer que a garotada não vai mais poder se divertir um show de rock ou de funk só porque é ruim a qualidade da escola que frequenta? Cancelamos o carnaval porque tem gente sem moradia? Vamos parar de festejar, de abraçar, de beijar, de fazer sexo enquanto os equipamentos hospitalares forem insuficientes?

Insisto: os problemas existem, e são graves, mas a Copa virou pretexto para aqueles que querem misturar covardia com baixo astral. São os black blocs da infelicidade coletiva.

Tem ainda a questão: mas a Fifa está faturando uma fortuna. Acontece que o show da bola é o espetáculo de que mais gostamos (ou gostávamos?). Empresários cobram. A Fifa cobra.

O mundo aguarda ansioso a Copa do Brasil. A imprensa internacional já está mobilizada para o grande evento. Leio nos jornais ingleses, franceses, portugueses, reportagens carinhosas, cheias de entusiasmo.

Só o Brasil odeia a Copa do Brasil. Nem Freud explica.

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