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quarta-feira, 1 de junho de 2016
Carta do EXTRA aos leitores que não viram um estupro no estupro
O EXTRA foi o primeiro jornal a denunciar as violências sexuais sofridas por uma menor de 16 anos no Morro do Barão, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Desde a primeira notícia, publicada às 17h16 do dia 25 de maio, tratamos o caso como estupro. Na edição impressa, no dia seguinte, a manchete usou a expressão “estupro coletivo”. A notícia e abordagem do EXTRA geraram polêmica, e milhares de leitores criticaram o jornal nas redes sociais porque não acreditam que a jovem tenha sido vítima de violência. Ao contrário. Muitos garantem que a notícia está distorcida porque a menina, sim, teria sido a única responsável pelo que aconteceu.
Reunimos em tópicos a essência das críticas recebidas e compartilhamos nossos argumentos. Senta, que lá vem textão.
“NÃO HOUVE ESTUPRO”
Quando um repórter presencia um assalto na rua, ele não sai correndo atrás do ladrão para perguntar se ele efetivamente furtou alguém. Nem liga para a autoridade policial para confirmar o que viu. A notícia é o relato da cena que o jornalista presenciou. Podemos fazer um paralelo com este caso. A origem da notícia foi um vídeo no qual uma jovem desacordada é manipulada por homens que abrem suas pernas, filmam sua vagina, seu ânus, zombam do estado da menina, em especial de suas partes íntimas, dizendo que mais de 30 passaram por ali. Como qualquer ato libidinoso cometido contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência é estupro, o EXTRA tratou o estupro como estupro. Portanto, não foi nem o caso de "comprar a versão da vítima", ou "defendê-la", porque, na primeira vez que o caso foi noticiado, sequer sabíamos quem era a jovem.
“ELA TAMBÉM NÃO É SANTA. TEVE O QUE PROCUROU"
Não existe no Código Penal um capítulo para crimes sexuais chamado "Viu? Bem feito!". Crime é crime. E nem a lei prevê anistia para crimes com base no conceito moral que temos de quem sofre o abuso. Ah! E não existe estupro em legítima defesa. A vítima, pode sim, não ser santa. Essa é uma decisão dela.
“FOI ORGIA, SURUBA, E NÃO ESTUPRO”
Fazer sexo em grupo não é crime. No entanto, é preciso que o ato seja consentido e com os participantes conscientes. No vídeo, a jovem aparece desacordada. Por isso o estupro está configurado naquelas imagens. É importante lembrar: a Polícia Civil apura o que aconteceu antes da gravação para descobrir se outras pessoas, que não aparecem no vídeo, também a violentaram - e não para saber se a menina de 16 anos é adepta a orgias, o que não importa a ninguém.
“ELA NÃO PRESTA, TEVE FILHO AOS 13 ANOS”
Transar com uma menina de 13 anos é estupro também. Quando engravidou, ela foi violentada por um traficante pela primeira vez.
"E ELA NÃO VAI RESPONDER POR ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO?"
Aos fatos: o EXTRA apurou que a jovem era viciada em drogas e andava com traficantes. Se ela cometeu algum ato correlato a crime no seu passado (não há notícias disso até o momento) ela também deverá responder. É a mesma lógica.
“OS ÁUDIOS MOSTRAM QUE ELA É BANDIDA”
Os áudios não têm, até o momento, a veracidade comprovada.
"ELA SÓ DENUNCIOU PORQUE O VÍDEO SE ESPALHOU NA NET"
A jovem, de fato, procurou o traficante nos dias posteriores para reclamar do sumiço do celular e foi ressarcida. Não prestou queixa de estupro na delegacia. O fato mostra como o aparato legal do estado - polícia, Defensoria, Ministério Público, Justiça, secretarias de direitos humanos - está distante de parte da população, especialmente da que vive em áreas dominadas pelo tráfico. Só para lembrar, um famoso jogador de futebol da seleção brasileira caiu num grampo em que pedia providências a um traficante da Rocinha contra assaltos em São Conrado. No Rio, a sociedade anualmente reverencia bicheiros envolvidos em todos os tipos de crimes no carnaval. A culpa desta cultura é da jovem também?
"ELA VOLTOU AO LUGAR DO CRIME... LOGO, NÃO ESTÁ ABALADA"
A maior parte das vítimas de crimes sexuais e violência doméstica também não denuncia o crime imediatamente. Algumas vítimas levam a vida inteira para fazer a queixa e isso não significa que elas sejam coniventes, cúmplices ou a transformam em responsáveis pela violência. Por isso é importante não julgar a reação da vítima após o crime.
Jornal Extra
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