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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Uma Droga de Escola



Uma Droga de Escola

Por Franklin F.A. Maciel

Após viver anos sob a tirania das aves de rapina, o Reino das Aves, teve suas primeiras eleições democráticas.

Apresentaram-se como candidatos o pardal, o tucano e o pavão. Apesar de serem ampla maioria, os pardais perderam as eleições para os tucanos que, muito bons de bico, convenceram a maioria de serem os mais preparados, prometendo um novo reino onde todas as aves seriam iguais.

Mas como e por que tornar um reino tão plural e diversificado onde todos tem habilidades e formas tão distintas num mundo onde todos são iguais?

Como e para que tornar igual o canário, o papagaio e o avestruz?

Foi então que o tucano-mor deu a resposta: – Através da Educação!

E assim todos os filhotes de todas as espécies foram enviados para escola para dar início à grande revolução educacional.

Na escola, todos os filhotes de todas as mais diferentes espécies de aves recebiam instruções de professores tucanos de como se tornarem iguais a um tucano.

O canarinho, o beija-flor, o pardal e tantos outros passarinhos, por mais esforço que fizessem, nunca conseguiam ser iguais à um tucano, entretanto, os tucaninhos de nascimento eram demais! Pareciam já terem nascido com dons naturais, seres super-dotados!! Todo aprendizado para eles era muito mais fácil, sabiam ser iguais à tucanos como nenhuma outra ave, eram os maiorais, aqueles que seguramente, devido à sua excelência e prodígios naturais estavam fadados a ocupar por seus méritos, os mais altos postos na hierarquia social do Reino das Aves.

Já os demais, a cada fracasso na tentativa de suprimirem suas aptidões naturais para se adaptarem aos padrões, valores e modus vivendi tucanos apreendidos na escola como ideais quase canônicos, mais e mais desanimavam com a escola, sentiam-se incapazes, impotentes, condenados à serem aves de segunda categoria, a ocuparem por suas próprias incompetências e inaptidões pessoais (e não do sistema de ensino) posições menos relevantes dentro da hierarquia social do Reino das Aves, internando dentro de si um sentimento de frustração e culpa pessoal devido às suas incapacidades de aproveitarem as oportunidades oferecidas de maneira universal à todas as aves por meio do acesso à educação tucana e por elas, constantemente desperdiçadas, como nas entrelinhas gostavam de reforçar os professores tucanos.

O canarinho tentou algumas vezes cantar, mas foi duramente repreendido pelos professores, afinal tucano não canta, portanto, o dom de cantar não estaria entre as aptidões necessárias para ser um pássaro igual; o João de Barro quis fazer uma casinha de barro, mas foi reprimido porque construir não era coisa de tucano. Assim aconteceu com a sabiá, com o papagaio, com a andorinha, e tantos outros que tinham habilidades e hábitos diferentes das de um tucano. Só se deu bem na história o chupim, pois roubava os testes das provas e, na malandragem, acertava tudo.

Desinteressados, pressionados, os pássaros da escola não sabiam mais o que fazer para conter a angústia e a raiva por tantos fracassos e frustrações, foi quando uma raposa que à tudo de longe observava, resolveu se aproximar dum pequeno grupo de passarinhos e lhes fazer uma proposta:

- Ora, ora, pra que tanto desânimo?

- Tão jovens, vamos curtir a vida, experimentem um gole desta água divina que a alegria vai voltar de novo às suas vidas.

- Mas que água é essa, perguntou o beija-flor.

- É água que passarinho não bebe! Deram-lhe esse nome para que vocês tivessem medo de descobrir as maravilhas que ela faz.

Meio desconfiados, os passarinhos, acabaram provando da tal água e… Gostaram!

Sob o efeito da água, toda aquela angústia de se sentirem deslocados sumiu! Bebiam da água e em suas cabeças voavam mais alto e eram mais “iguais” que qualquer tucano! Outras vezes nem se importavam mais em tentar ser iguais, bastavam em seu estado ébrio serem eles mesmos em seus desejos mais íntimos e verdadeiros.

Podiam chorar, rir, contar piadas, vencer a timidez.

A água era realmente fantástica, pena que o efeito durava pouco, o que os fazia beber cada vez mais.

O problema é que a tal água que de início foi dada de graça, agora passou a ser cobrada, na mesma medida em que tomar a água de contentamento foi se transformando numa necessidade.

Os passarinhos não mais conseguiam fazer nada sem tomar um gole d’água e precisavam beber cada vez mais para se suportarem como passarinhos. Então muitos passarinhos abandonaram a escola para trabalhar em qualquer coisa que lhes desse algum dinheiro. Outros passaram à roubar, trapacear, enfim, buscaram todos os meios para ter recursos afim de ter um pouco de prazer e alívio através da água, que depois virou erva e por fim virou pó e pedra.

Alguns desses passarinhos ficaram tão viciados, que começaram a cometer toda sorte de delitos para obter a água e seu derivados, o que justificou aos olhos de toda a população do reino, o uso da força e da intimidação proposto pelos mais rígidos tucanos, para recolocar as coisas em ordem o reino.

Assim, construíram gaiolas e mais gaiolas nas quais amontoavam os passarinhos arruaceiros que não se adequavam ao sistema, assim como criaram todo um sistema de vigilância sob o comportamento de todos, valendo-se de pássaros guardas munidos de ameaçadores estilingues, que não pensavam duas vezes em usar, com a anuência de toda a população assustada com o aumento da insubordinação pública dos passarinhos excluídos.

Na escola, tudo continuava da mesma forma, só a pressão por resultados aumentava mais e mais.

Tinham todos de aprender a como ser tucanos na marra, custasse o custasse, fizessem reforço, recuperação, usassem bicos postiços, não importava, tinham todos, de um jeito ou de outro, que se tornarem prototucaninhos. Até que um dia, um passarinho resolveu criar coragem e cantar.

E fizeram de tudo para fazê-lo parar de cantar, mas o passarinho intrépido, continuava à cantar e a incentivar outros passarinhos à também cantar.

E voava pelo ar fazendo piruetas de um jeito que nenhum tucano sabia voar. Os tucanos não sabiam mais o que fazer para parar o passarinho.

Tentaram vencê-lo pelo cansaço, sem sucesso. Depois dificultar seu acesso à bens básicos de sobrevivência como comida, o passarinho aprendeu a jejuar, usavam estilingues para derrubá-lo em pleno ar, mas o passarinho era muito ligeiro, sagaz, sempre dava uma jeito e escapava, o que aos poucos ia encorajando os demais, até que um dia, de tanto insistirem, conseguiram abatê-lo.

O passarinho caiu e toda a comunidade de pássaros foi ter à sua volta. Foi quando perceberam que pareciam muito mais com o passarinho abatido do que com os tucanos e tirando as anilhas também começaram à cantar.

O beija-flor, que não cantava, bateu suas asas mais rápido que qualquer tucano podia sequer imaginar; o falcão voou mais veloz e alto que qualquer tucano podia sonhar em voar, o rouxinol abriu seu peito e entoou sua mais linda melodia e assim, cada ave do reino foi redescobrindo seus valores e habilidades naturais e então entenderam que o que os igualava era apenas a origem de ave e o direito e dever que cada uma tinha de ter respeitada sua própria identidade assim como a da outra ave.

Viver e aprender não era mais uma questão de competir para ver quem era melhor que o outro, pelo contrário, começaram as aves a colaborar entre si naquilo que uma tinha mais facilidades que a outra e vice-versa e assim a comunidade prosperou, o respeito mútuo se estabeleceu, elas se tornaram mais seguras e alegres e, enfim decidiram fechar a “escola de igualdades” inaugurada pelos tucanos e criaram uma escola para todas as potencialidades.

Deste dia em diante, os passarinhos não precisaram mais tomar da água para poder voar e cantar, porque descobriram que mais do que asas, tinham idéias e sonhos e esses, a s poderiam levar mais alto que qualquer pássaro já pensou em voar.

Franklin Maciel

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